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Old Jerusalem April

2003


“April” de Old Jerusalem é um “daqueles” discos. Desde a faixa inicial wither, até à final ...you can kiss me..., Francisco Silva (o homem que se esconde por detrás do nome) mostra-nos um disco maior que a alma, onde melancolia e ambientes sombrios se misturam com confiança e resplandecência.

Francisco estudou guitarra clássica no Conservatório e isso explica muita coisa. Explica que, ao contrário do que alguns pragmaticamente asseguram, não é uma música que sai no momento, que se solta conforme o estado de alma e o dedilhar dos dedos. Não. Exige animosidade, exige centralização, exige ginasticar muitas vezes o pensamento, exige avaliar muitas vezes o resultado. Mas, por outro lado, exige sensibilidade, exige bom senso e bom estado de espírito. Só assim se explica cada fatia “quase” perfeita de 3 minutos que preenche este disco de estreia. Mas depois do conservatório veio, já em 2001, o projecto Old Jerusalem. E com ele vieram uma maqueta (a meias com os Alla Pollaca) e a participação em três compilações. A primeira, Cais do Rock – Vol. 4 da independente Lowfly Records e as outras da também independente e cada vez mais pertinente Bor Land (Your Imagination e Looking For Stars). As apresentações ao mundo estavam feitas, e a confirmação de April apenas serviu para demonstrar uma verdade há algum tempo anunciada: Old Jerusalem é já um marco no panorama musical português.

Assumindo-se como um projecto mais literário do que musical, é natural que a palavra, o seu uso e conteúdo assumam aqui uma importância redobrada. E as influências nesse campo vão de Steinbeck a Miguel Torga, passando pela curiosa e inesperada saga de “O Senhor dos Anéis”. Existe, pelo menos, uma música (Francisco Silva não quer dizer qual) que tem influência directa desta ultima citação. Por outro lado, as influências musicais são já bem conhecidas e vão de Drake a Oldham, passando por Bill Calahan, Simon & Garfunkel, Horsepower e Sparklehorse. A música já se consegue afastar daquela genealogia, muito embora as influências estejam sempre com quem as tem: americana, country, neo-folk e blurgrass. O tipo de instrumentos segue nesse sentido, e banjo, caixa de ritmo, violino, violoncelo e guitarra acústica (com ascendência maior sobre esta) assumem-se como os principais condutores do fio que guia April. Para a ajuda na gravação e nas técnicas de gravação destes instrumentos esteve Paulo Miranda (The Unplayable Sofa Guitar) que, tendo influências comuns às de Francisco, conseguiu cumprir a sua função de forma admirável.

A última faixa, “...you can kiss me...” é de um desadorno perfeito. Com vozes retiradas de um filme, uma guitarra acústica a dedilhar notas bem lá ao fundo e uma gravação caseira de 4 pistas (que lhe confere o aspecto áspero) este é um daqueles momentos para ouvir vezes sem conta.

April é um disco primaveril, com uma melancolia feliz que faz o ouvinte absorver-se numa calma e descontracção tranquilizantes. Com um sorriso de ponta a ponta, e com a certeza que o melhor pode muito bem ainda estar para vir.


Tiago Gonçalves
tgoncalves@bodyspace.net
10/03/2003