Só algum capricho impede Richard Swift de oferecer ao mundo o seu grande álbum. À partida, The Atlantic Ocean representaria a materialização do disco prometido, mas a provocação, que preserva o suspense, já superou a importância que agora teria um monumento capaz de abalar o mundo. Richard Swift habituou-se a caminhar para trás e cada uma das suas novas aventuras (são muitas) retarda a chegada ao presente, tão chato e previsÃvel como o próprio entende.
Emaranhadas entre os caracóis do senhor fora de tempo, as canções de The Atlantic Ocean denunciam uma adoração crónica pela década de 70. Richard Swift é branco enquanto toca piano, delirante (e muito Raymond Scott) na manipulação dos sintetizadores vintage e preto quando recorre ao chocalho à moda dos War do genial Eric Burdon. E essa musicalidade mestiça é sobretudo cool.
Assim estamos bem. A fama global atrairia fadiga, a preocupação de escolher roupa para noites de gala e concertos desastrosos em Espanha. Richard Swift prefere continuar a ser apenas o músico predilecto dos músicos (Wilco, Stereolab, The Walkmen), o eterno underdog. Não há problema em encarnar Teddy Pendergrass, desde que acima dele, na escala soul, esteja sempre Al Green.
Reparando bem na continuidade que une as capas de Dressed Up for The Letdown e The Atlantic Ocean (a réplica da primeira surge no canto superior esquerdo da segunda), não há como escapar ao balão (da consagração) que fugiu para bem longe, enquanto o seu dono foi descendo na paisagem, desde a montanha até ao oceano, que agora lhe chega quase aos joelhos.
Observado a partir do helicóptero, que sobrevoa toda a extensão de Swift, The Atlantic Ocean insere-se no racionamento que leva cada novo álbum a ceder mais três ou quatro temas a um clássico inquestionável. Esse clássico só existe na soma das partes (e um futuro best of corre o risco de ser o melhor disco do homem). A estratégia de contenção serve de lição a Billy Corgan, que, durante o surto de inspiração Mellon Collie and the Infinite Sadness, estoirou material suficiente para sustentar quatro discos diferentes. Richard Swift mantém firme o bluff à medida que as cartas sobre a mesa asseguram um irresistÃvel escritor de canções (ocasionalmente brilhante). Na verdade, Swift tem uma ambição simples: sonha ver os seus discos entre outras admiráveis obscuridades, na última loja tradicional de discos a funcionar em 2048 (a Flur?). The Atlantic Ocean confere.