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William Basinski 92982

2009
2062 / Flur


Ao recuperar peças originalmente gravadas em Nova Iorque, durante certa noite de 1982, William Basinski terá procurado, à sua maneira quase passiva, rectificar parte da noção associada ao início dos anos 80 na Big Apple. Por destoar tanto do parque de diversões familiar, posteriormente instaurado nos mandatos do mayor Rudolph Giuliani, desde sempre empenhado em reforçar a segurança da cidade, a memória da Nova Iorque de 80 ficou entregue aos “agarrados”, às doenças e ao aspecto sombrio dos filmes de Abel Ferrara (o final de Ms. 45 tem um drone aterrador).

O retrato dessa época deixa muitas vezes de parte a enorme fertilidade artística vivida (por Basinski, inclusivamente) na downtown da cidade (encapsulada em New York Beat Movie, filme centrado em Basquiat). Sem recorrer a palavras, 92982 obriga às devidas reconsiderações: à medida que descobre encanto no processo decadente do loop, reflecte uma Nova Iorque ainda apta a parar no tempo para assim sanar o seu frenesim urbano (tal interregno seria mais difícil na era da informação). Ou seja, um mergulho prolongado em Nova Iorque frisa naturalmente as suas características mais sublimes.

As características visadas conhecem testamento à altura na peça “92982.2”, que, além de ser faixa verdadeiramente arrebatadora, representa o esteta americano no topo da sua capacidade: um drone amplo flutua graciosamente em torno de diversos adereços sonoros da cidade (o girar de uma hélice, o chiar de pneus, o sussurro da atmosfera). Durante quase 23 minutos, a universalmente conhecida insónia de Nova Iorque é colocada à prova com uma combinação de perfeito efeito analgésico (talvez próxima das sensações proporcionadas pela heroína tão em voga nesses tempos).

Na utilização que faz dos pequenos excertos de cordas (matéria para os loops), William Basinski estabelece um elo com o gigante Wolfgang Voigt, outro exímio manipulador desse recurso. Ambos recorrem a porções de música clássica (no sentindo em que utilizam um conjunto de cordas) como forma de induzir desorientação nos seus discos: Wolfgang Voigt perde-se entre as florestas misteriosas e o tecno longínquo da sua saga Gas; Basinski captura e retém o momento até reconhecer nele a capacidade de ser eterno. A eternidade perspectivada a partir de 1982 é tão somente aquilo que 92982 tem para oferecer. William Basinski inverte 2009 a seu favor com um disco gravado há 27 anos. É obra.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
03/07/2009