bodyspace.net


Sa-Ra Creative Partners Nuclear Evolution: The Age Of Love

2009
Ubiquity / Symbiose


Fazer soul com ligação directa aos clássicos dos anos 60 e 70, nos dias que correm, não é tarefa fácil, e os riscos são muitos. Tanto se pode caír no mero pastiche, admirado por quem se satisfaz com simulacros dos “anos dourados”, como as tentativas futuristas podem ficar aquém daquilo que os pioneiros fizeram, ou ainda ficar condenado à irrelevância perante os avanços que o “mainstream” conseguiu nos últimos 10 anos. É tal destreza que obriga, desde logo, a observar com espanto o feito conseguido por Om’Mas Keith, Taz Arnold e Shafiq Husayn naquele que é, para todos os efeitos, o seu primeiro disco de raíz. O segredo parece ser a observação cuidada de artistas inovadores e inspiradores, como são os casos dos Outkast de “Aquemini” e “The Love Below”, e a voluptuosidade e mestria de arranjos de Isaac Hayes, e adicionar-lhes toques identitários no que diz respeito ao desenho das faixas, uso das vozes, ou instrumentação. “Nuclear Evolution: The Age Of Love” consegue ser tão húmido e pegajoso como os pântanos da Florida, tão luxuriante como o sol da California, ter arritmias cardíacas electrónicas como a “inner city” de Nova Iorque, Chicago ou Detroit, baixos de circunferência perfeita como Atlanta ou Houston, onirismo e ambiente cósmico como a paisagem nocturna do Grand Canyon, e assim por diante. Estamos numa discoteca de vários pisos, todos subordinados à seiva da soul e do funk, propícios a, nas palavras de JP Simões, suor e fantasia (sexual), com estimulantes naturais de efeito imediato.

O início de “Nuclear Evolution: The Age Of Love” até é enganador. “Spacefruit” limita-se a ser uma electro bossa nova loungey em – pecado – espanhol. É a partir do calor tropical, aqui no sentido da temperatura, de “Dirty Beauty”, com Erykah Badu, que o disco se começa a revelar a sua verdadeira faceta de explorador inveterado. “I Swear”, com Noni Limar, agrega luxo e batidas de impacto considerável, enquanto “Melodee N’Mynor” é “slow jam” electro-funk lamacenta com sopros, mas com lama da que dá vontade de afundar nela e não fugir. Começa-se a sentir a ligação a “Aquemini”, como nos quase 8 minutos de “Love Czars”, nos sintetizadores que adicionam o ambiente de estranheza sem nunca se esquecerem da soul na fotossíntese, na forma como voz e baixos se entrelaçam, sugerindo trocas de fluidos em gravidade zero. E Isaac Hayes virá não muito atrás, com as guitarras escaldantes que levou para a blaxploitation, ou um dos seus trabalhos de relojoaria transportados para a órbita de Alfa Centauro, como em “Love Today”.

Quem julgue que tudo se esgota aqui engana-se. Existe a percussão de “The Bone Song” a fazer jus ao nome, o lado rave/electro-pop/hip-hop/soul de “White Cloud”, os nervos de “Move You Ass”, a soul psicadélica que se transforma em jazz da última “Cosmic Ball”. Em suma, o manancial é imenso, e estabelece outro grande desafio para os restantes pretendentes de 2009. Não vale a pena querer tirar o pé do chão, se o objectivo é um pequenino salto.


Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com
02/07/2009