Fazer soul com ligação directa aos clássicos dos anos 60 e 70, nos dias que correm, nĂŁo Ă© tarefa fácil, e os riscos sĂŁo muitos. Tanto se pode caĂr no mero pastiche, admirado por quem se satisfaz com simulacros dos “anos dourados”, como as tentativas futuristas podem ficar aquĂ©m daquilo que os pioneiros fizeram, ou ainda ficar condenado Ă irrelevância perante os avanços que o “mainstream” conseguiu nos Ăşltimos 10 anos. É tal destreza que obriga, desde logo, a observar com espanto o feito conseguido por Om’Mas Keith, Taz Arnold e Shafiq Husayn naquele que Ă©, para todos os efeitos, o seu primeiro disco de raĂz. O segredo parece ser a observação cuidada de artistas inovadores e inspiradores, como sĂŁo os casos dos Outkast de “Aquemini” e “The Love Below”, e a voluptuosidade e mestria de arranjos de Isaac Hayes, e adicionar-lhes toques identitários no que diz respeito ao desenho das faixas, uso das vozes, ou instrumentação. “Nuclear Evolution: The Age Of Love” consegue ser tĂŁo hĂşmido e pegajoso como os pântanos da Florida, tĂŁo luxuriante como o sol da California, ter arritmias cardĂacas electrĂłnicas como a “inner city” de Nova Iorque, Chicago ou Detroit, baixos de circunferĂŞncia perfeita como Atlanta ou Houston, onirismo e ambiente cĂłsmico como a paisagem nocturna do Grand Canyon, e assim por diante. Estamos numa discoteca de vários pisos, todos subordinados Ă seiva da soul e do funk, propĂcios a, nas palavras de JP Simões, suor e fantasia (sexual), com estimulantes naturais de efeito imediato.
O inĂcio de “Nuclear Evolution: The Age Of Love” atĂ© Ă© enganador. “Spacefruit” limita-se a ser uma electro bossa nova loungey em – pecado – espanhol. É a partir do calor tropical, aqui no sentido da temperatura, de “Dirty Beauty”, com Erykah Badu, que o disco se começa a revelar a sua verdadeira faceta de explorador inveterado. “I Swear”, com Noni Limar, agrega luxo e batidas de impacto considerável, enquanto “Melodee N’Mynor” Ă© “slow jam” electro-funk lamacenta com sopros, mas com lama da que dá vontade de afundar nela e nĂŁo fugir. Começa-se a sentir a ligação a “Aquemini”, como nos quase 8 minutos de “Love Czars”, nos sintetizadores que adicionam o ambiente de estranheza sem nunca se esquecerem da soul na fotossĂntese, na forma como voz e baixos se entrelaçam, sugerindo trocas de fluidos em gravidade zero. E Isaac Hayes virá nĂŁo muito atrás, com as guitarras escaldantes que levou para a blaxploitation, ou um dos seus trabalhos de relojoaria transportados para a Ăłrbita de Alfa Centauro, como em “Love Today”.
Quem julgue que tudo se esgota aqui engana-se. Existe a percussão de “The Bone Song” a fazer jus ao nome, o lado rave/electro-pop/hip-hop/soul de “White Cloud”, os nervos de “Move You Ass”, a soul psicadélica que se transforma em jazz da última “Cosmic Ball”. Em suma, o manancial é imenso, e estabelece outro grande desafio para os restantes pretendentes de 2009. Não vale a pena querer tirar o pé do chão, se o objectivo é um pequenino salto.