Sem que estejamos previamente avisados, uma voz inocente e frágil invade as ondas sonoras e um piano segue-se-lhe. Há harmonia que se cruza com adversários – os que buscam destruĂ-la – e há um enfrentamento, ainda que quase invisĂvel. Há um ritmo marcado de forma artesanal, e uma certa sensação de mĂşsica de piano bar embriagada que transporta directamente para um lugar misterioso. A gravação Ă© aparentemente ao vivo, mas nĂŁo há sinais de pĂşblico. A recriação Ă© de Tori Kudo e Reiki Kudo (Maher Shalal Hash Baz), e Ă© tudo o mais despedido e despojado possĂvel. AĂ, nesse processo, fazem mĂşsica belĂssima e de interesse renovado.
“Going to see the sunset” nĂŁo tem piano mas tem harmĂłnica. Autodidáctica, por sinal. E uma viola, manuseada por Kazuko Matsushima sem a destreza de um violetista orquestral mas com um sinal vitalĂcio de anti-melodia, como uma luz contĂnua num lugar de esperança dĂşbia. A certa altura, piano (entrado em cena) e viola digladiam-se no que parece o andamento mais tempestivo de uma obra contemporânea em dia de estreia. O mistĂ©rio adensa-se a cada minuto. “Cat” coloca de novo as atenções no piano e na voz e acerta a identidade do registo. Acerta-se o passo, para o final do tema, o piano entra num delĂrio, nĂŁo já embriagado, mas apenas irado e a servir-se de uma certa desafinação para obter graça e beleza.
Gravado entre 2005 e 2006 conta com versões a duo de temas de álbuns assinados por Reiko Kudo, assim como duas canções novas. Há tosse no disco, e ruĂdos que nĂŁo andam normalmente por discos que chegam a ver a luz do dia. Mas isso faz apenas de Light um disco mais humano – ainda mais do que a sua mĂşsica permite adivinhar e abraçar. “Father”, confronto entre voz e uma espĂ©cie de harpa em avançado estado de degradação, parte de um certo abatimento e desistĂŞncia para gerar (a)tonalidades de belo efeito. É assim do princĂpio ao fim. NĂŁo Ă© fácil fazĂŞ-lo mas Reiko e Tori conseguem: fazer mĂşsica estranha e de formas brutas mas com uma beleza que Ă© quase universal. Pode nĂŁo ser acessĂvel e directa, mas Ă© altamente compensadora.