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Daniel Francis Doyle We Bet Our Money On You

2009
We Shot JR


A energia sobrenatural e personalidade múltipla do formato one-man band permanecem associados às suspeitas de um pacto mantido com o diabo. Habituada a encontrar um músico com um só instrumento nas mãos, a cultura popular tratou de mitificar os capazes de tocar simultaneamente guitarra, mini-bateria (bombo e pratos) e harmónica. Só o diabo pode estar por detrás de tal façanha. São icónicas as fotografias que situam o nosso Legendary Tiger Man entre mulheres-serpente e o vício de paredes encardidas, como quem aceita o inferno na terra para chegar à inspiração que se desdobra em Naked Blues ou Masquerade. Hasil Hadkins e Sterling “Mister Satan” Magee (do duo Satan and Adam) são outros dos ilustres da linhagem one-man band que também estiveram dispostos a esse sacrifício. Daniel Francis Boyle é a “banda de um homem só” que se segue.

O hábito não é de agora. Os relatos atestam que Daniel Francis Boyle era, desde há dez anos, presença inflamável em palco, quando munido precisamente por guitarra, bateria e uma voz que percorre estados como o verdadeiro pioneiro americano. Algum desse brio punk sente-se também em todas as oportunidades de que Daniel Francis Boyle usufrui para condensar os três Minutemen num só corpo: “Old Lives” e “Street Stress” podiam pertencer ao marco underground Double Nickels On the Dime (muito mais compreendido por quem viveu de perto o apogeu de Mike Watt e D. Boon). We Bet Our Money Money On You não se fica por aí. O segundo álbum de Boyle é também heterogéneo no espaço que oferece a diferentes inspirações: à vez, a canção vai sendo possuído pelos Beatles (“Send You Away”) e pelos grande senhores da balada de cabeceira (é esse o mérito de “Your Baby Is Speaking”). No final, depois de feitas as contas, é o cunho dos Minutemen aquele que mais pesa.

Ainda assim, é pena que nem tudo cole, e é essa inconsistência que aprisiona We Bet Our Money On You na divisão dos álbuns com um pé no mal-amanhado terreno da “demo” e outro no altar da canção mais polida. Supõe-se que o rendimento de tudo isto em palco seja capaz de provocar outro espanto. O diabo e Daniel terão de aperfeiçoar a sua sintonia num próximo disco.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
10/06/2009