Com nome inspirado numa fala de Hamlet, o duo A Hawk and a Hacksaw formou-se em Albuquerque, Novo México, mas há muito que anda perdido de amores pela Europa de Leste. Jeremy Barnes vem na linhagem dos Neutral Milk Hotel (uma das bandas mais relevantes e menos citadas dos 90), onde assumiu as despesas da bateria – aqui ele ainda toca acordeão e também canta; Heather Trost toca violino.
Depois de uma estreia homónima a passar gloriosamente ao lado de quase todos, Barnes e Trost editaram um impressionante Darkness at Noon, em 2005, e ainda um par de trabalhos menores nos anos seguintes. Agora que o nome de Beirut está definitivamente sedimentado nas consciências colectivas e a pop ocidental anda há muito a fazer-se à folk balcânica, volta a ser tempo de ouvir isto e de render homenagem aos precursores desta coisa, que em 98 cantavam a Anne Frank e o rapaz de duas cabeças.
Os Neutral Milk Hotel têm a cara que merecem mas merecem que cada vez menos gente lhes vire a cara. Foram eles que iniciaram um cortejo fúnebre de temas queridos aos Balcãs e uma folk tocada por acordeão, gaitas e serrotes. Uma procissão agora retomada por um Délivrance que mistura canções tradicionais, devidamente retratadas, e material original do duo de Albuquerque (que poderiam perfeitamente ser canções tradicionais).
Chegados a Budapeste, Barnes e Trost juntaram-se ao Hun Hangár Ensemble, com quem, de resto, já tinham gravado há dois anos. O espĂrito geral do disco transpira uma exuberância levada ao extremo, mesmo que lá em cima se tenha escrito "cortejo fĂşnebre" (o culto da morte nĂŁo Ă© igual em todo o planeta, como se sabe). E há um certo fascĂnio tresloucado nestas canções, necessariamente autodestrutivo, como a fĂŞmea que arranca a cabeça do macho depois do coito.
NĂŁo se quer com isto dizer que DĂ©livrance nĂŁo Ă© um bom disco. É-o a vários nĂveis: quer na folia carnavalesca de "Turkiye", quer tambĂ©m na epopeia grega da tambĂ©m tradicional "Foni Tu Argile". Ou na digressĂŁo dos casinos de LA pela temperança balcânica em "I Am Not a Gambling Man" – e atĂ© acreditamos no tom confessional do homem mas aqui ele perdeu a aposta. DĂ©livrance Ă© como um coxo numa maratona: sim, sim, perder ou ganhar Ă© desporto mas no pelotĂŁo segue o ainda insuperável Darkness at Noon. NĂŁo há muito a fazer.