O som de Ethan Rose, em Oaks, pode não parecer completamente estranho aos ouvidos de quem já viu (e escutou) Paranoid Park,o filme de Gus Van Sant baseado no romance homónimo escrito por Blake Nelson. Paranoid Park conta a história de um jovem skater que mata acidentalmente um guarda de uma estação de comboios. Conforme revelado em algumas entrevistas, Gus Van Sant desenvolveu parte da banda-sonora de Paranoid Park inspirado pelo conteúdo dos iPods pertencentes a membros da sua equipa de filmagem. O azar de desastres como Psycho (o mais inútil dos remakes, também realizado pelo autor de Milk) deu, desta vez, passagem à sorte que contemplou Gus Van Sant, no momento em que descobriu Ethan Rose, conterrâneo de Portland e senhor de dois discos na Locust de Chicago (Ceiling Songs e a precoce compilação Spinning Pieces). O nome de Rose merece o vermelho desta passadeira, porque Paranoid Park não seria o mesmo sem a sua “Song One”, um exercício de levitação, que embala e suspende no ar os corpos, numa das mais bonitas cenas de skate (registadas no característico formato Super 8 ) alguma vez transpostas para filme. O YouTube permite a repetição do sonho e o vídeo encontra-se disponível aqui.
No filme, “Song One” servia como contraponto celestial para o inferno de remorsos instalado numa cena particularmente perturbante. Cena essa em que o protagonista tomava duche ao som de uma mistura temível do tema concrète “"Walk through resonant landscape nº 2", de Frances White. É de valor quando uma música pouco convencional – “Song One” - consegue ser um êxito de popularidade, ainda que à sua escala limitada. Depois de um tema tão memorável como esse e numa altura em que a sua habilidade demonstra acentuada ascensão, Ethan Rose tinha a seu favor o momentum para um álbum pensado de raiz. É aqui que entra em cena Oaks, verdadeira revelação conduzida por um conceito repleto de encanto: Ethan Rose armazenou todo o tipo de sons reproduzidos num órgão Wurlitzer, fabricado em 1926 - altura essa em que o aparelho viveu o seu zénite, enquanto acompanhava filmes mudos. O órgão mudou de mãos e ultimamente anima um ringue de patinagem em Portland (o Oaks Park Roller Rink que dá título ao disco). Agora, e sempre que alguém quiser, o dinossauro melódico ressoa também em Oaks, que apresenta oito composições obtidas com a manipulação digital dos sons recuperados ao órgão (que, por sua vez, sintetiza algumas dezenas de instrumentos e efeitos).
Durante 37 minutos imaculados, Ethan Rose toca a memória de um órgão muito mais do que as suas notas. Uma vez mais, o digital oferece ao analógico uma forma inédita de perdurar no tempo. E tudo o que perdura em Oaks é acústica reluzente reaproveitada em serpentinas de melodia, um impalpável cunho vintage integrado em ciclos de electrónica com contornos esféricos, música ambiente sobre patins (“On Wheels Rotating” assegura a teoria). Fica assim revelado um novo talento na cidade de Portland, que já contava com outro nostálgico crónico chamado Eluvium (que tem resposta à altura em “Fortunate”). Na “Song One”, que cedeu a Paranoid Park, tal como em Oaks, Ethan Rose satisfaz com música o prazer que alguém tem em deslizar sobre rodas. Prazer esse que, de resto, é universal. O próprio Aquele Querido Mês de Agosto, brilhante filme de Miguel Gomes, sobrepunha realidade e fantasia, num momento especialmente hipnótico, em que o protagonista praticava hóquei em patins. Era “Passear Contigo”, êxito popular dos Broa de Mel, que se escutava nesse momento de transição, mas podia ser “Bottom” deste Oaks. Apertem os atacadores e despertem os sentidos para os sons deslizantes de Ethan Rose.