Discretamente, os últimos anos têm confirmado Emil Amos como um brilhante guia no turismo da deriva. Assim tem sido nos Grails, salteadores pós-rock da música perdida do Oriente, e assim em Holy Sons, orientado em reclusão quase total, como manda a motivação lo-fi do seu projecto mais pessoal.
Justapondo Burning Off Impurities, o último dos Grails, e Drifter’s Sympathy, de Holy Sons, sobressai uma certeza: basta um ávido instrumentista para conseguirmos imaginar pedaços de realidades alternativas. Com flautas do fim do mundo, ferrinhos javaneses e samples resgatados a um digging obsessivo, obtém-se o crime jazz do Tibete, desenhado pelos primeiros, e as crónicas de “folk-lá-fora”, a cargo do segundo. Ora, Drifter’s Sympathy é, até ver, o capítulo de Holy Sons que denuncia um maior paralelo estético em relação aos Grails. A moderação inédita da voz de Emil Amos para isso contribui: com excepção dos dois temas em que ela própria vem à tona, mantém-se ausente ou resume-se a assombração. E assim despachamos as semelhanças entre as duas facetas, porque tudo o resto é puro Holy Sons, um glorioso e marcante baptismo Holy Sons.
Baptismo, porque Drifter’s Sympathy é uma experiência e não uma escuta trivial, e, como tal, pouco sentido fará absorvê-lo em partes separadas. Emulando algumas das liberdades da contracultura da década de 70, Emil Amos sustenta Drifter’s Sympathy como um delírio ou uma suspensão da realidade que, na prática, dura trinta e seis minutos. Se, em vez disso, a vontade for expandir as pistas e cenários insinuados (histórias em aberto, na verdade), o disco durará o que cada um entende. Tal como o anterior Decline of The West, Drifter’s Sympathy revela apenas o cume musical de um icebergue muito mais complexo: se aquele se debruçava filosoficamente sobre uma crise de mentalidades, este parece reviver constantemente um acontecimento violento sucedido horas antes — vive preso numa espiral semelhante à que remói as consciências dos protagonistas de Deliverance — Fim-de-Semana Alucinante ou de Cães de Palha. Em alternativa, podemos até tomá-lo como um aglomerado de cenas cortadas de um road movie, que se desenrola apenas na região mais obscura da psique de Amos.
Independentemente da paciência que se reserve à exploração das possibilidades de Drifter’s Sympathy, como narrativa não-linear, este será (musicalmente falando) um dos mais férteis e conseguidos discos de Holy Sons. Num fluxo uno e sem fronteiras, fundem-se blues de desorientação, colagens de estranheza psicadélica, espaços em branco, retalhos de rádio AM, rock empoeirado, folk com entoação soul, etc. Impressionante. Quantas vezes encontramos a mesma variedade condensada em tão curta mixtape mental? Poucas, certamente. Holy Sons exige mas conforta, corre o risco de trair expectativas e consegue alargar as coordenadas do seu trilho. Seja como for, reafirma neste álbum um pacto secreto, a honrar com um merecido repeat.