bodyspace.net


Old Jerusalem Two Birds Blessing

2009
Rastilho


Ao quarto álbum, Old Jerusalem atreve-se a expandir a sua canção, sem que isso rompa com a identidade estabelecida em três discos totalmente merecedores da estima que obtiveram. Two Birds Blessing move-se – no tempo e espaço do cancioneiro Old Jerusalem - e permanece no mesmo abrigo de simplicidade mágica, que fez de Francisco Silva um escritor de canções imediatamente reconhecível por cá (e o principal impulsionador da Borland, casa para a qual gravava até aqui). Moroso no realce das suas virtudes (nada superficiais), Two Birds Blessing acaba por ser um big bang, que, ao evoluir lentamente, perde o efeito do estrondo e ganha as regalias da durabilidade. Assim, Two Birds Blessing difere dos restantes por parecer muito mais predisposto a canções que tomam o seu tempo, que deixam as suas vias abertas a uma brandura (quase Cowboy Junkies) nada preocupada com qualquer cronometragem.

Posto isto, a duração média das canções – que rondará os 5 minutos – é um daqueles atributos que também fala pela peculiaridade de Two Birds Blessing. Entende-se que seja ampla a lógica de canções que fluem como um rio (e como os temas longos de Smog) em vez de se fixarem num hook, que possa entorpecer a sua alma e intenção. De início, estranha-se a ausência do impacto (e faro pop) outrora anunciado pelo baixo de “180 Days” ou pelo arranhar das cordas da entranhável “Summer of Some Odd Year”, pertencentes a Twice The Humbling Sun e a The Temple Bell respectivamente. Depois de alguma persistência, também Two Birds Blessing serve a sua quota de recompensas: repare-se na elegância permanente da guitarra lap steel, no storytelling apurado de “Arduinna and the Science Boy” ou na aproximação aos Radiohead – via versões de Christopher O' Riley -, com o piano de “Pale Mirror of You”. Esta última seria altamente improvável num disco mais directo. Sem pressas, a canção é perspectivada a partir da posição do pássaro que sobrevoa circularmente o poiso sem nunca assentar. A imagem parece lírica (pecado meu), mas assim também é Two Birds Blessing.

É, além disso, bonito reparar como podem estar aqui alguns dos temas que mais declaradamente relembram a paisagem lunar que conduz Matosinhos até Leça da Palmeira, na marginal adjacente à cidade do Porto (o ninho criativo de Francisco Silva). Grande parte destas canções podiam muito bem rebolar-se naquela relva, entre a estátua do homem e das duas moças (perto da Casa de Chá). O Old Jerusalem de Two Birds Blessing é de tal forma despreocupado, que até omitiu a sugestão sexual muitas vezes capaz de animar as suas canções mais memoráveis (ocasionalmente, Francisco Silva parece também um James Taylor altamente favorável aos encantos horizontais). Perdoa-se-lhe então essa falta de alfazema e orquídeas da Etiópia, quando é por demais compensada pela naturalidade que faz deste o mais espairecido disco de Old Jerusalem.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
22/04/2009