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snd. Atavism

2009
Raster-Noton


A importância da Raster-Noton, no que respeita ao desbravar de terreno no continente da música digital, concede ao selo alemão duas capacidades: a de catapultar os novos lançamentos com a força do catálogo e a de protegê-los com o escudo da reputação colectiva, na eventualidade de não surpreenderem por si só. Embora a dupla snd. tenha já evidenciado qualidades próprias, num reportório disperso, coeso na linguagem e desequilibrado na pertinência, a novidade Atavism estaria muito mais sujeita a um rápido esquecimento caso não surgisse integrada na linhagem Raster-Noton.

Para mais, a partilha de uma mesma matriz estética – presa à recontextualização electrónica de sons externos a esse perímetro - torna mais lógica a associação entre a Raster-Noton e os snd. (Mark Fell e Mat Steel). Em ambos os universos repetem-se casos de reaplicação exaustiva de um mesmo som e de aceleramento (digitalmente abusivo) do ritmo, que muitas vezes avança sem que um pé peça licença ao outro (“13†é, nesse aspecto, sobrecarregado como uma praga de gafanhotos). Pode até soar bem na teoria, mas roça o desastre na prática.

Custa encostar Atavism à parede, quando a sua intenção é principalmente nobre nas homenagens que presta: na sua romaria pelo house de uma era mais ingénua, o disco procura também reavivar alguma da essência da electrónica de Sheffield (residência dos snd. e da Warp Records). Ainda que as formas escolhidas não mereçam particular contestação, o mesmo não se pode dizer dos sons que servem como recheio: fragmentos de percussão metálica (repetidos até à náusea). Não era necessário colocar caracóis entre lasers ou colher sons de sexo em casas-de-banho públicas, como fazem os Matmos nos seus delírios, mas o minimalismo confunde-se com tortura quando o mesmo emaranhado de pancadas metálicas se repete 80 vezes por minuto durante sete minutos (trata-se, afinal, de música house). Sob o olhar atento do anjo da guarda Raster-Noton, Atavism sufoca na sua própria saturação. Parece o Moby nos braços da Christina Ricci, no teledisco que ilustra a “Natural Bluesâ€.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
16/04/2009