É curto o passo que separa um veterano da misĂ©ria sentimental de uma carreira como guru prestável. Aidan Moffat Ă© a prova viva disso – situando a voz entre o “falar” e o “cantar”, fez dos Arab Strap uma saga de despistes amorosos e falĂŞncia sexual. Ganhou culto. Depois de uma dĂ©cada dedicada Ă narração de sinistros, Aidan Moffat entendeu que devia ser conselheiro a tempo inteiro. A nova vocação evoluiu por etapas, tendo sido porventura inaugurada em The Last Romance, disco de Entrudo para os Arab Strap. Foi precisamente em “Confessions of a Big Brother” que Aidan alertou os que retardavam o compromisso para o risco de acabarem sozinhos (a comer refeições de microondas). O homem das barbas sabia bem do que falava. Algum tempo depois, passou a assinar uma hilariante coluna de aconselhamento “para ele” e “para ela”, que, basicamente, aplica a fĂłrmula da revista Maria a contextos sofisticados vividos por gente mais brit. Ultimamente, a tendĂŞncia alastrou-se aos tĂtulos dos discos pĂłs-Arab Strap. I Can Hear Your Heart, a autobiografia interactiva de conteĂşdo pornográfico e politicamente incorrecto, podia, ao que parece, ter sido How to Make Love to a Scotsman. Por sua vez, How to Get to Heaven From Scotland Ă© realmente o que promete: uma farsa celestial propĂcia Ă exercitação da canção celta como antĂdoto para a melancolia generalizada das canções de Aidan Moffat.
Na verdade, How To Get To Heaven From Scotland afasta-o tanto do pesar Arab Strap, que o disco Ă© obrigado a desenrolar-se como um sonho (uma virtualidade), de modo a nĂŁo desonrar esse passado. A abstracção tem inĂcio com a canção de embalar “Lover’s Song” (com direito a human beat box possante) e o regresso Ă terra sucede-se com o ruĂdo do despertador, em “Living With You Now”. AlĂ©m disso, existe uma intertextualidade associada a Aidan Moffat que atesta este como o álbum-sonho: a scenic route (via turĂstica) de “A Scenic Route to the Isle of Ewe” pode estar prĂłxima da enunciada em “Dream Sequence”, utopia de amantes que se destacava em The Last Romance. Tudo o resto sĂŁo canções dadas Ă apoteose e Ă camaradagem entre instrumentos (assegurados pelos Best-Ofs): hinos prontos a serem entoados por adeptos embriagados do Celtic de Glasgow, enquanto esfregam os ombros entre si, apĂłs uma vitĂłria sobre o rival Rangers e antes de regressarem a vidas tĂŁo neurĂłticas como as que se vislumbram em álbuns como Philophobia e Elephant Shoe, dos Arab Strap.
Com a ternura dos quarenta à espreita, Aidan Moffat decide-se por um disco evidentemente optimista no seu escapismo. E, mesmo que a tristeza de sempre não deixe de ruminar, em particular na delicada “Lullaby for Unborn Child”, são os beijos consumados e o amor verdadeiro as facções triunfantes na batalha de saias intitulada How To Get to Heaven From Scotland. Estas horas de sonho pertencem a canções que, na sua abrangência The Pogues (violinos e acordeão), podem até soar a guilty pleasures aos ouvidos de quem não consegue viver sem a companhia miserável dos Arab Strap. Assim sendo, é inevitável o agradecimento: obrigado, tio Aidan, pois agora também sabemos que o guilty pleasure é o céu dos despreocupados.