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DJ Sprinkles Midtown 120 Blues

2009
Mule Musiq


Não é a primeira vez que surge a voz da consciência a reclamar para si a verdade sobre a essência da house, do techno ou, em geral, do espírito libertino com o qual ficou identificada alguma da música de dança electrónica. E se é verdade que a pop mercantilista atordoou e atropelou esse espírito em nome de uma fácil exposição mediática recompensada com um retorno económico imediato, poucos têm sido os indivíduos realmente preocupados com a revitalização das almas moribundas dos géneros nascidos nos undergrounds de Chicago ou de Detroit durante os anos 80.

Não bastará viajar no tempo e recuperar as coordenadas iniciais e numa espécie de truque tecnológico barato, baralhar e voltar a dar. Porque se trata de um assunto sério, alguma consideração deverá ser dada a quem não desistiu da verdadeira essência da house e ainda hoje segue o que a alma lhe dita – mesmo que alguma das verdades que voicefera sejam incómodas para muitos DJ com postura de vedeta pop. Entre esses paladinos com sérios desejos de devolver a verdade ao mundo encontra-se um multi-activista chamado Terre Thaemlitz,.

Como Dj Sprinkles apresenta-se pela primeira vez em longa duração. E num tom provocatório lá vai recordando na introdução coisas como “as for the sounds of New York dance floors themselves, today's house classics might have gotten worked into a set once in a while, but the majority of music at every club was major label vocal shit. I don't care what anybody tells you. Besides, New York Deep House may have started out as minimal, mid-tempo instrumentals, but when distributors began demanding easy selling vocal tracks, even the label "Strictly Rhythm" betrayed the promise of it's own name by churning out strictly vocal after strictly vocal. Most Europeans still think "Deep House" means shitty, high energy vocal house.”

Peremptório e contestatário, Midtown 120 Blues surge como manifesto pessoal que age e reage sobre alguma falsidade em que boa parte da house se imiscuiu com o desenvolvimento de fórmulas adequadas ao ouvido das massas. Representando uma frente que advoga a matriz clássica – uma que raramente consegue a exposição merecida –, e reconhecendo-se-lhe algum tom revivalista, Sprinkles reconstrói eloquentemente o universo instrumental mais deep do som de Chicago sobre um sedutor, moderno e eloquente manto melódico de serenidade ambient onde vozes soul estilhaçadas se projectam no vácuo.

Queira ou não se queira, Midtown 120 Blues é um dos melhores discos de house dos últimos tempos. Possivelmente desde Marcellus Pittman, Kenny Dixon Jr, Rick Wilhite e Theo Parrish se sentaram à mesma mesa para esculpir 3 Chairs (2004) num momento de pura inspiração divina. Terre Thaemlitz, preocupado com um som que viu nascer – e acompanhou –, manifesta-se contra as banalidades, as falsas questões e as descriminações que foram nascendo na cultura sonora urbana. Tudo enquanto os ritmos cuidadosamente arquitectados se vão avolumando sobre texturas melódicas que acertam sempre no ouvido com o tom perfeito. Revezando se entre a introspecção inspirada pela noite («Brenda's $20 Dilemma» ou «Grand Central, Pt. II») e alegria festiva num perfeito dia de Verão («Ball'r (Madonna-Free Zone)» ou «The Occassional Feel-Good»), Midtown 120 Blues é puro house. É tudo o que precisamos de ouvir nos tempos mais próximos, não só porque soa calorosamente bem, mas também porque sintetiza em 70 minutos a história da house enquanto revitaliza a alma moribunda nascida nos becos de Chicago há mais de 20 anos atrás. Essencial.


Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com
26/03/2009