Numa altura em que a lÃngua portuguesa volta a ser dominante na pop, muito por culpa da beatice da Flor Caveira, o lançamento de É Isso Aà não poderia ter ocorrido em melhor altura. Não que a evangelização baptista tenha de modo algum eco nas canções do duo, mas a exposição inusitada de que estes foram alvo tornou o paÃs mais seguro para se cantarem coisas como "Debaixo de água a sonhar com o espaço" sem medo de soar estranho. Passe a contradição (aparente) de que estranho será um adjectivo bastante apropriado para a banda, no que concerne à sua posição no mosaico cançonetista da actualidade.
Nascidos de uma certa música periférica portuguesa, onde pontificam nomes como One Might Add ou Gala Drop, carregam este un-savoir faire imiscuÃdo no legado da pop mais livre de expressão portuguesa dos Ocaso Épico ou Pop Dell`Arte (quando o uso da expressão vanguarda era uma sofrÃvel norma) para um presente onde o imaginário tropical se entrelaça por entre o betão citadino. Referenciar Excepter ou Gang Gang Dance serve apenas o conforto de os alinhavar com a pop mais aventureira vinda do outro lado do Atlântico, pela forma como despojam a canção do seu espartilho angustiante para a respiração de um corpo volátil. Volatilidade essa transversal a todo o álbum, que discorrendo em formato mixtape vai encadeando colagens-canção onde António Variações e Panda Bear se encontram nos pratos de Dj/Rupture. Sem com isto encetar paralelismos imaginários assertivos, a mestria no uso da cola que une as tonalidades caribenhas ao dub cinzento de "Ver ao Perto" é disso paradigmática. Se as entoações épicas de Pedro Magina poderão levar ao desconforto por alguma emotividade algo exagerada (atente-se na já sobejamente conhecida "Siga Para Bingo"), casos como a maravilhosa "Conte-os" (lindÃssima, a linha de teclado) ou a muito dançável "Bem Bom" seriam indissociáveis dessa mesma prestação. Derivando daqui alguns momentos mais dispensáveis ou embaraçosos, será no entanto impensável deixar cair com medo este recém-nascido anormal na música portuguesa. Com o carinho merecido cresce muito para além de qualquer outra tentativa de encapsulamento da contemporaneidade multiforme que o paÃs tenha parido nos últimos anos. Ou desde que os Três Tristes Tigres delapidaram esse diamante de nome Comum. Entusiasmos à parte, é impossÃvel não encontrar razões de sobra para destacar É Isso Aà no marasmo circundante.
Não se trata da "mÃtica" salvação da pop (ou qualquer outra coisa indefinÃvel onde rótulos não têm lugar), mas sim de um daqueles estalos bem dados para tirar os olhos do umbigo. Enclausurar É Isso Aà no seu berço é tapar o sol com a peneira. Embora de um modo geral não esteja, de todo. impune de criticismos, pouco haverá que se possa apontar à s duas canções mais que perfeitas que encerram o disco. Essa canção de amor trôpega que encarna em "Museu de Cera"; começando opressiva sobre a batida angustiante, para se deixar a sorrir cara a cara com o medo enquanto dança ao abandono. Amargura feliz que desemboca para a doçura terminal de "Saúde", à qual será premente aludir ao trabalho a solo do nosso imigrante favorito. Os ares de Lisboa têm destas coisas. Dispensar referenciais também. As coordenadas estão lançadas, resta agora que estas levem ao encontro do oásis Aquaparque. Esperam-se belos banhos.