Falar de Sunn o))), e dos extremos que roçam com a suspensĂŁo dos acordes de guitarra, resvala muitas vezes para a citação da Vida e da Morte como termos comparativos para um corpo sonoro, que, de tĂŁo imensurável, reduz a eficácia de todas as metáforas. Continua em aberto o concurso para a expressĂŁo concludente na definição da estĂ©tica dos Sunn o))) (“Cabrito ao nascer” Ă© apenas uma hipĂłtese). Ainda que seja uma arma temĂvel, na tortura que exerce nos Sunn O))), tal como nos avanços mais espaciais obtidos na dupla KTL, a guitarra de Stephen O’ Malley nĂŁo deve, mesmo assim, estar sujeita a generalizações ou exageros. Como quem procura evitar o aprisionamento a uma sĂł faceta, O’ Malley aliou-se a Pita (a malvadez digital em pessoa) nestes KTL, onde, desde 2006, tem provado que a guitarra, sem recalcar a sua natureza intimidante, pode tambĂ©m ser um recurso ambivalente na criação de cenários de ficção-cientifica minimamente frequentados pela espĂ©cie humana. Depois de arrumada a trilogia Kindertotenlieder,IV inicia uma renovada campanha negra, organizada pela guitarra de Stephen O’ Malley e pelo computador e sintetizadores de Pita, e com o flanco aberto para a participação do imprevisĂvel gĂ©nio Jim O’ Rourke, na produção, e de Atsuo dos Boris, na bateria e gongo.
Estranhamente, estudar o perfil dos envolvidos pouco contribui para ter uma ideia concreta do que aqui se passa. Obrigado a abandonar algumas das marcas da primeira trilogia, entre quais a agressividade ilimitada dos seus loops, IVadmite em si uma placidez que era apenas miragem nos capĂtulos anteriores. Quando a via passa a ser finalmente láctea em “Natural Trouble”, com a chegada de um gongo que repercute os aeroportos de Brian Eno, sobra a vontade de revisitar IV dedicando especial atenção Ă s suas manobras de expurgação. Isto porque IV desintoxica-se, de facto, entre a sua primeira e sexta faixa: seja atravĂ©s do pus libertado, quando Pita agita o balanço dos graves, ou pelo desgaste infligido nos mantos assombrosos do mesmo, Ă medida que sĂŁo arrastados na cauda do cortejo fĂşnebre que tem a guitarra circular como autoridade. Fosse necessário encontrar um antecedente para todo o ruminar experimental que se manifesta em IV e bastaria apontar para “FX” dos Black Sabbath, momento revelador de Vol.4 que, sem aviso, desrespeitava a fĂłrmula “riff e ritmo”, como componentes obrigatĂłrias no despoletar de um exercĂcio heavy. Heavy mental, nesse caso.
IV nĂŁo anda longe de ser um disco de heavy mental, por mais descabida que a etiqueta seja. Quem já assistiu a um concerto de KTL, ataque de ruĂdo bem capaz de rivalizar o abuso que representam os Borbetomagus em palco, saberá de antemĂŁo que confiar os ouvidos Ă quele big bang Ă© proibitivo para quem ainda quer escutar a palavra “avô” dirigida a si. Marcando a diferença, IV exige mais da mente do que dos ouvidos.