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Eric Copeland Alien in a Garbage Dump

2008
Paw Tracks / Flur


Com o notório esbatimento de diferenças entre a alta e a baixa cultura, dignificado pela via mais grosseira através de mash-ups e reciclagens de matéria prima de gosto discutível a serem alvo de análise erudita e credibilizada, encontra-se facilmente um ponto onde os ecos dadaístas se encontram tanto nas festividades de Greg Gillis disfarçado de Girl Talk ou no imaginário “frito†de James Ferraro. Nada de novo, portanto, com os indícios mais ou menos recentes patentes na metamorfose sónica para Ciccone de Whitey Ãlbum ou nas japonesices acariciadas por John Zorn, ainda bem vivos na memória. Apenas as vivências hiper pós milenares do melómano (esse ser cada vez mais banalizado) tornaram comum a criação de espaço onde “I Refuse†da Aalyiah se transforma na soturna “In Macdonald`s†de Burial. A cultura popular celebra a sua natureza descartável para que seres alienígenas ou simplesmente alienados se dediquem a reaproveitar os detritos da festa.

Enquanto a entidade Black Dice vai trocando as voltas ao dub ou ao techno para os dotar de uma carga intelectualizada, mas de forte apelo físico/dançável num paraíso tropical de formas sintéticas, Eric Copeland abandona a galeria de arte para se entregar abertamente ao lixo amontoado nas traseiras com um sorriso encarecido. Longe estão os tempos de confrontação e violência, e se agora existe um sentimento prevalecente da música do gajo do boné do trio nova-iorquino, é mesmo o lado lúdico que a música de carácter experimental teima em esquecer. Se em Hermaphrodite este se confinava a pequenos momentos de teor descontraído, mas pouco viável de assegurar uma relevância mais momentânea do que o tempo de audição do álbum, Alien In a Garbage Dump serve-se dessa mesma humildade para resultados bem mais entusiasmantes. Primeiro 12†de dois tomos complementares, Alien In a Garbage Dump discorre alegremente ao longo de 22 minutos, por entre justaposições rafeiras pouco dadas a subtilezas, mas de labor apaixonado e apaixonante. Minucioso e de selecção (adivinha-se) criteriosa. Uma displicência elegante que só fica bem a “King Tits Wombâ€, que aproveitando os restos hip-hop da TR 808 deixa-se parasitar por vozes de hélio e guitarra solarenga, confundindo com um sorriso. Como quem não se preocupa com formalidades por todo o savoir faire que se lhe reconhece. “Reptilian Space Beings Shapeshifting Bloodsucking Vampires†é prova disso mesmo (de novo com cheiro a hip hop) e “Osni†traz o Mali mais psicadélico para dentro de uma siderurgia.

Perante a pouca duração destes momentos, “Alien in a Garbage Dump†poderá ser encarado como o épico do álbum, com os seus quase oito minutos de colagem psicadélica, entre uma "Revolution 9" contaminada por euforia techno e cantilena a evocar o Verão Azul mais para o final. Embora não seja propriamente reggaeton do ano 4011, como o afirmou Brian Degraw dos Gang Gang Dance, reconhece-se em Alien in a Garbage Dump a alegria do alienígena, desde logo patente no próprio título, que aproveitando os resquícios mais sujos que a música popular decidiu deitar no lixo, se apresta a transformá-los em algo de novo (pleno de impurezas) e muito dificilmente reconhecível com algo contemporâneo, para seu bel prazer. Paradoxalmente estranho e familiar, é o rádio avariado que se faria ouvir no carro de Thomas Pynchon, estivesse este disposto a abandonar o eremitismo para “caçar†ovnis.


Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com
19/02/2009