AlĂ©m da genialidade que ninguĂ©m lhe regateia, o colectivo sempre se regeu por uma regularidade impressionante: um a um, por este ou aquele motivo, se vĂŁo afastando os elementos dos Massive Attack. Desde divergĂŞncias conceptuais ao apelo da famĂlia, tudo foi servindo para deixar sobre os ombros de Robert Del Naja (3D) o pesado fardo de, pelos seus meios, satisfazer e corresponder Ă s expectativas de um universo inteiro.
Sabendo-se que Massive Attack Ă© hoje sinĂłnimo de 3D, 100th Window sĂł terá surpreendido quem nunca ouviu falar de “Superpredators” ou, mais recentemente, do viciante “I Against I”. Ao invĂ©s do que sucedera em 1998, as explosões já nĂŁo se dĂŁo em camara lenta, já nĂŁo Ă© possĂvel observar o dispersar dos estilhaços e muito menos, apĂłs tudo isso, sentir que “já passou”. 100th Window, por detrás das superfĂcies polidas e escorregadias, Ă© bem mais complicado que isso: raramente deixa perceber, exactamente, o que se passa. O que se pode tornar algo doloroso, fruto da duração exagerada da generalidade das mĂşsicas: a mais curta aproxima-se dos seis minutos, e nĂŁo menos que cinco delas ultrapassam a fasquia dos sete minutos de duração.
É claramente demais, especialmente quando faz parte do ramalhete uma Sinead O’Connor incapaz de aquecer ou arrefecer, avivando saudades de Liz Fraser/Tracey Thorn/Shara Nelson (escolher o fantasma conveniente para cada caso especĂfico). Desta vez, o que no papel tinha tudo para funcionar na perfeição, acabou por nĂŁo se confirmar na prática e terá sido finalmente dado o passo menos firme no que respeita a uma das pedras de toque do colectivo de Bristol: a eleição das vocalistas. O burburinho gerado em torno da participação de Sinead tambĂ©m nĂŁo terá ajudado, criando, Ă priori, a ideia de que seria mais-valia efectiva. Anteriormente as mĂşsicas nĂŁo necessitavam de ser salvas por A ou B, e passou a ideia de que Sinead serviria para isso mesmo. A verdade Ă© que a irlandesa nĂŁo teve aquele condĂŁo tĂŁo especial das divas que passaram, e o facto de surgir em mĂşsicas que nĂŁo passam de novos andares empilhados sobre “Teardrop” incita Ă comparação, da qual Ă© dificil sair incĂłlume.
TambĂ©m algo estranhamente, o “velho” companheiro Horace Andy acaba por passar um pouco ao lado de tudo o que se vĂŞ atravĂ©s da janela de Del Naja. Nem “Everywhen” nem “Name Taken” se juntarĂŁo a tĂtulos como “Hymn of the Big Wheel” ou “Angel”, exemplos da marca e presença indelĂ©veis do jamaicano Andy.
Por outro lado, 3D está umbilicalmente ligado aos momentos mais felizes do sucessor de Mezzanine: “Butterfly Caught” Ă© a sucessora do já citado “I Against I” (com Del Naja a fazer as vezes de Mos Def), constituindo o momento mais entusiasmante de todo o disco, e “Smalltime Shot Away”, inusitadamente reminiscente dos Boards of Canada nos seus devaneios mais exactos e cientĂficos (alguĂ©m ouviu “Music Is Math”?), Ă© o piscar de olho decidido Ă IDM. É por aqui que 100th Window interessa. Feche-se a outra janela, deixe-se os mĂ©ritos passados resplandecer, nĂŁo se ceda Ă tentação de repetir o que está mais que bem feito. Olhe-se para a frente, Del Naja saberá por onde ir e mostra-o quando dá a cara aos comandos.
Apesar de tudo, acaba por ser indesmentĂvel que 100th Window sĂł podia trazer na capa “Massive Attack”. Com um nĂvel de produção Ă prova de bala, consegue ser intenso. É inteligente e mantĂ©m uma coerĂŞncia saudável e desejável Ă frente dos tĂtulos anteriores. E pode ser um novo ponto de partida para a maravilha, se fĂ´r devidamente aproveitado como tubo de ensaio. Doze anos depois, há outro mundo Ă espera de uns Massive Attack.