Já perdi a conta às vezes que ponho este álbum na aparelhagem, e é espantoso como
continuo a achá-lo maravilhoso. Não é um daqueles álbuns que hoje está na aparelhagem
e o ouço o dia todo e no dia seguinte já não me diz absolutamente nada. Por outras
palavras, tem a capacidade de persistir, de continuar na minha memória, de percorrer
os meus sonhos, de me transformar...
A voz de Donahue é às primeiras
audições (não, durante os primeiros minutos) um pouco desengonçada e rugosa, direi
mesmo, fora do contexto da música. Mas, à medida que vamos fazendo parte da música,
e começamos a achá-la mágica (e como disse, isto acontece apenas poucos minutos
depois de a começar a ouvir) apercebemo-nos que não poderia haver uma melhor voz
que construisse e edificasse as canções, que lhe desse uma textura, um sentido
de estar.
Os norte-americanos Mercury Rev já contam na sua discografia
com alguns álbuns, mas foi este Deserter's Songs que deu à banda o estatuto de
uma das melhores na linha frente da produção alternativa dos Estados Unidos. As
influências estão entre uns Sonic Youth ou The Velvet Underground e um som e "imagem"
algo parecidos com os The Flaming Lips, Spiritualized ou mesmo Radiohead.
As composições são belas e celestiais, cheias de energia e fonte de redescoberta
interior. Até mesmo os temas instrumentais, como "I Collect Coins" são
capazes de tal coisa, provocando uma introspecção tão profunda e sentida que nos
fazem pensar os limites da arte, e que como ela é capaz de mudar uma pessoa. No
caso dos Mercury Rev, essa ideia de transformação da arte ganha formas que passam
além dos limites do imaginável, transbordam fronteiras, fazem novas e estimulantes
sensações.
Por vezes, fica a sensação de que as músicas estão sob produzidas,
não é necessário nem conveniente a presença de tantos elementos. Por exemplo,
no tema Tonite It Shows, os xilofones e as guitarras parecem exageradas, chega
a parecer em alguns casos que estão lá apenas pelo motivo de lá estarem, sem qualquer
sentido ou razão. Este é um dos poucos aspectos negativos que consigo encontrar
neste disco, mas penso que não será significativo para não lhe atribuir a nota
máxima. Soberbo.