Apesar da delicadeza indie de contornos inĂłcuos ser ainda a nota dominante nos meios de comunicação influentemente perniciosos, a multiplicidade a que estes se aprestam, permite, ainda assim, de forma mais ou menos discreta, a criação de espaço para a incidĂŞncia em projectos menos dados a palminhas tolas e beijinhos ao pĂ´r-do-sol. Herdeiros directos da displicĂŞncia cool de bandas como Guided By Voices ou Pavement, os Wavves poderĂŁo ser o prĂłximo alvo de atenção de olhos atentos Ă s movimentações da sujeira cantarolável dos Times New Viking ou da power pop regurgitada dos No Age. Com a Siltbreeze a reafirmar o seu papel de esteta num panorama onde a aspereza lo-fi tem ainda fĂ´lego, os tempos parecem propĂcios a isso. Vindo da sombra que paira sobre os sempre recomendáveis lançamentos da De Stilj, a personificação de Daniel Williams sob o nome de Wavves poderá muito bem encontrar ao lado dos Eat Skull e Psychedelic Horseshit Ăłptimos companheiro de casa antes de proceder Ă passagem para a gigante Matador. Ideia essa extremamente contundente com a realidade pĂłs-Rip It Off e cansaço do revisionismo roqueiro do inĂcio de sĂ©culo (entretanto já esquecido, obviamente), embora no domĂnio da pura futurologia abstracta tĂŁo credĂvel quanto as previsões do professor Karamba.
Operando um ou outro desvio para o experimentalismo envolvente à la Weirdo Rippers é com canções que Wavves trata (e com carinho) de se envolver nos cenários profundos da ociosidade norte americana. A inevitável introdução ambiental/ruidosa dá então lugar à tensão latente de “Sun Open My Eyes”, desencanto agridoce alicerçado no stomp da bateria enquanto a apatia dos subúrbios se desvanece na dissonância da guitarra. Os fantasmas também caminham sobre o sol. Dick Dale percorre as lixeiras da downtown nova-iorquina em busca de uma guitarra decente que não encontra e o resultado é “Get in the Sun” a destruir o surf rock ensimesmado. Os fantasmas também se aborrecem. “So Bored” encarrega-se de prestar culto a isso mesmo enquanto despudoradamente se aproveita da dualidade voz feminina e masculina para mastigar a suculenta power pop de contornos boy meets girl sob a luz ténue do drive in.
Contrapondo estes momentos mais solarengos com uma aparente obsessĂŁo pelo gĂłtico patente nos tĂtulos, tambĂ©m as canções de Wavves habitam esse limbo entre a alegria e o desespero sem se decidir. De um lado a toada soturna de “Surf Goth” do outro a efervescĂŞncia juvenil de “No Hope Kids”. A mesma distância que separa “Halloween” de “Teenage Riot”, ou nĂŁo fossem os Sonic Youth um fantasma omnipresente (e sempre bem vindo) ao longo dos 30 minutos do álbum, como o atesta “Jetplane (Staying on a)”. Olhando atentamente, mas com igual desinteresse emocional para gĂłticos pálidos e surfistas bronzeados, Wavves Ă© esse mesmo tributo Ă apatia que encontrou em J. Mascis o seu profeta, e perdurará sempre enquanto putos espertos com pouco mais para fazer do que passear de skate pela calmaria (aparente?) da vizinhança suburbana se lembrarem de fazer barulho na garagem. Melhor do que vencer o tĂ©dio Ă© fazer disso obra. De canções de amor está o Mundo cheio, e já começa a ser altura de dar descanso Ă fita carcomida de Slanted & Enchanted.