Gozar da bênção dos Sic Alps (com quem já tocou) e de John Dwyer (que o edita na sua própria Castle Face) é meio caminho andado para que Ty Segall não seja apenas mais um segredo local a boiar no caldeirão guarnecido pelo rock corrosivo de São Francisco. Ter a aparência e a pujança de um Buddy Holly cuja vida depende de Jack Daniel’s e café puro faz o resto. Para estar ao nÃvel da etiqueta nerd fundada por Buddy Holly, falta apenas uma lente nos óculos que Ty Segall usa no alucinado teledisco de “Pretty Baby (You’re So Ugly)â€. As credenciais são convincentes.
De resto, são muitas as cartas que faltam no baralho daquele que por aqui se estreia em nome próprio. Falta-lhe vontade de encarrilar a canção numa via ortodoxa (a do aprumado verso-refrão-verso). Em conformidade com isso, o rigor e a complexidade são valores descartados (os temas são porcamente directos). Foi também esquecida qualquer preocupação em manter a mÃnima higiene do pegajoso reverb, que é cada vez mais uma praga apreciável oriunda de São Francisco.
Ou seja, os Sic Alps não surgem na primeira linha só por acaso. Ty Segall cose o seu rock com retalhos e franqueza semelhantes ao da dupla de U.S. Ez. Ambos são igualmente avessos à ideia de que o rock, enquanto entretenimento, deve ser industrializado e tecnicamente impressionante. Ty Segall não poderia parecer menos preocupado com as oscilações na bolsa de popularidade da Billboard. Provavelmente não saberá distinguir uma Solange Knowles de um Lil Wayne. Só a guitarra, bombo e pratos importam para alguém que, em modo de one man band, obtém o mais vigoroso estardalhaço vendendo a alma aos Cramps e aos Ramones (homenageados numa versão de “You Should Never Have Opened That Doorâ€, que consegue estupidificar o que parecia “inestupidificávelâ€). Isto quando os Traditional Fools (banda mantida por Ty a par dos Epsilons) já gritavam Gabba Gabba Hey! como quem reclama o direito a ser incondicionalmente imbecil em “Davey Crockett†(Oh Davey Crockett, watcha got in your pocket?).
Estava afinal enganado quem não acreditava ser possÃvel existir um intermédio entre o ataque no-fi dos Guitar Wolf (RIP) e a combustão operada pelos Beatles quando – logo na estreia Please Please Me - revisitaram “Twist and Shout†dos Topnotes (criando assim a música que torna ainda mais inesquecÃvel determinada cena do filme de culto O Rei dos Gazeteiros). Ty Segall também faz gazeta: baldou-se a todas aulas de etiqueta e tem neste o disco que o pode afirmar como aspirante ao lugar do anticristo que prega o fim da fé merecida pelo rock bem comportadinho e polido. Atirem-lhe água benta.