Burning Star Core é Galactus, o devorador de mundos, entidade maior do universo Marvel que manipula os elementos no tabuleiro de xadrez, como se fossem fantoches suspensos por fios. A regularidade de Burning Star Core, mesmo que não se compare à de Galactus, deus colorido que intervém muito raramente, também não chega a ser gratuita. Se descontarmos algumas edições obscuras e outras tantas entregues a colaborações, o ano de 2007 (ano do porco e do drone) fez-se de discos essenciais e representativos do alcance BxC: a organização cíclica de Blood Lightning 2007 pouco tinha a ver com aparência bastarda de Operator Dead… Post Abandoned (arena sem lei), sendo que ambos aproveitavam a espontaneidade do improviso para dinamizar (e suster a sobrevivência do) drone. Depois do amadurecimento acumulado com os dois álbuns, Challenger é o disco que (finalmente) enaltece Burning Star Core como nome capaz de condensar tudo o que até aqui era mais moroso (e ocasionalmente excessivo). Apostando na composição (ampla e também afectada) em vez do habitual improviso, Challenger firma a noção de que viajar no espaço – percorrendo toda a desolação e vácuo associados – pode ser emulado em apenas seis minutos (no máximo) e não vinte (como alguém poderia suspeitar).
Quando (em 2005) compilou uma série de exercícios dispersos, no adequadamente intitulado Mes Soldats Stupides (merecedor de uma elogiosa página inteira na Wire dessa altura), o mentor C. Spencer Yeh teria já consciência da sua natureza de general caprichoso e tirânico no abuso de vários instrumentos. Não é por acaso que as peças de tal conjunto de exercícios merecem a patente de “soldado estúpido”. Não pode deixar de ser estúpido um órgão ou teclado que, tendo sido concebido com uma finalidade principalmente melódica, acaba por ser aproveitado no seu expoente mais distorcido. Dado esse passado de ruína, dedicado à extracção de ruído e imundice a uma armada analógica ligada em circuito, Challenger parece ainda mais um desafio auto-imposto. Certas vezes parece um disco empenhado em tecer mantos de tons imaculados para encobrir um demónio interior (que reclama terreno no estardalhaço puro - quase-Aki Onda - de “No Memories, No Plans”). A batalha entre o Sublime e Toda a Merda à Volta denota-se principalmente em “Mezzo Forte”, que sufoca uma voz grotesca - repetida de um modo violento e familiar na dimensão BxC - com um piano melancólico alinhado na mesma via láctea que Murcof percorreu em Cosmos. Em rodapé, vale a pena recordar que o mais recente Murcof – representado nos brilhantes Cosmos e The Versailles Sessions - personifica a excelência enquanto compositor que aperfeiçoou o glitch e o minimalismo (amnésico) até que se assemelhassem a componentes de grandiosas sinfonias. Burning Star Core pode muito bem fazer o mesmo pelo drone.
Soma-se o compositor aqui revelado a alguém que já havia submetido o drone a um número infinito de contextos e armadilhas, e temos um super-músico. Coisa próxima de um Galactus na sua máxima força. Um fenómeno que se revela das formas mais incríveis e imprevisíveis (ainda que sempre remetidas a uma lógica que ganha definição com o avanço da saga). Burning Star Core e todo o infinito que o persegue.