O tĂtulo parece sugerir alguma timidez neste segundo passo dos Capillary Action. Mas revela sobretudo humildade para um disco que Ă© um acto de coragem. AtĂ© porque este registo nĂŁo tem tanto a ver com o seu primeiro “Fragments” como se poderia esperar. O caos organizado está lá, o virtuosismo jazz-rock rĂtmico continua fulgurante mas, ao invĂ©s de puramente instrumental, a mĂşsica passou a girar surpreendentemente Ă volta da voz do guitarrista, compositor e candidato a gĂ©nio, Jonathan Pfeffer. Uma decisĂŁo que altera decididamente a natureza melĂłdica destes norte-americanos que vĂŁo assim corajosamente do oito ao oitenta.
O seu segundo álbum é então todo cantado, com letras urbanas que misturam ilusão com desilusão, num registo de voz que relembra por vezes Joe Jackson, o que lhe acresce uma “coolness” sobre o que já é de si próprio cool – a música que Pfeffer e uma equipa de onze músicos excepcionais fazem.
É no registo dos japoneses Ruins, seus companheiros de concertos vários, que este “So Embarrassing” começa. Propulsivo e com métricas loucas. E o tal toque Joe-Jackson-meets-Mike-Patton que se prolonga ainda mais Ruins pela segunda faixa “Pocket Protection is Essential”.
O cĂ©rebro feito esponja vai absorvendo a loucura sonora que entra progressivamente nos anos setenta para uma orgiástica “Elevator Fuck”. A melodia zappiana alinhada em cordas belĂssimas que sustentam os ritmos frenĂ©ticos e inesperados da guitarra e da bateria numa crescente bola de neve que ora se derrete num ritmo tropical tipo Ocho, como congela novamente nos sons progressivos europeus que relembram Henry Cow e Gentle Giant. Puro sexo mental. E assim segue-se “Placebo or Panacea” para dar a “Bloody Nose”, onde a esquizofrenia aumenta em proporções a espaços mais agressivas, a caminho de umas “Badlands” onde a sombra apocalĂptica de uns Area paira majestosamente atĂ© aos acordes Paco De Lucianos que regem “Paperweights”. Uma faixa belĂssima com total toque latino que peca Ăşnica e exclusivamente pela sua pequenez.
A seguir, “Father of mine” volta Ă pastagem dos Henry’s Cow para uma caminhada de colagens orquestrais e insanas que se multiplicam em “Sexu Koala” para terminar em grande na melhor canção do álbum – “Self Released”. Uma canção desafio que Jonathan nos canta atĂ© ao ponto de perguntar “When’s the last time you wrote a song?”, para depois repetir “You will always be self-released” debaixo de um tapete sonoro de violĂŞncia e de carinho, guerra e paz, construção e destruição, ruĂdo e niilismo, ao qual se seguem uns segundos finais, exĂłticos e existenciais com a frase “Looking for love in all the wrong places”. Poesia que pontua um belĂssimo fim de uma grande viagem, uma aposta ganha por uma banda de virtuosos que criaram um disco tudo menos embaraçante.