2008 foi um ano de boas máquinas do tempo. Com Fleet Foxes, dias pródigos de engenhos sonoros directos aos anos sessenta e setenta da pop barroca de Love, Spirit, Dennis Wilson ou David Crosby. A bordo do “Third” dos Portishead, dias de viagem também aos sessentas de electrónicas e folks maradas (bom pretexto para re-ouvir Silver Apples e o catálogo folk da Finders Keepers). Foi um ano em que também se recuperaram as raves dos noventa (Zomby é o recente exemplo), mas sobretudo 2008 foi um ano de oitentas.
Crystal Stilts foi um dos nomes de 2008. Um nome que nĂŁo fica logo no ouvido, atĂ© porque mistura o popular “Crystal” actualmente na moda no mundo da mĂşsica, com o estranho “Stilts”, que significa andas. Todavia, nesta banda com nome de um qualquer saltimbanco frágil cabe toda a largura de uma recordação feedback de oitentas. Desta vez as melodias e a produção lo-fi destes (mais uns) recĂ©m-Brooklynenses (o vocalista atĂ© Ă© da Florida) vĂŁo direitinhas Ă mĂtica compilação “C-86”. A cassete que um dia veio oferta de um New Musical Express, tesouro já reeditado em CD, que contĂ©m alguns dos maiores segredos “indie” de sempre da mĂşsica britânica.
Segredos bem revelados por estes americanos, que nada parecem americanos. As melodias das suas canções teriam lugar certamente naquele ano mágico de 86. Figurariam no meio dos The Jesus and Mary Chain, The Pastels, Shop Assistants, The Primitives, The Razorcuts ou Talulah Gosh, decididamente tão bem como uma papoila fica radiosamente perfeita no meio de uma seara. É como o fecho de um ciclo. Homenagens DIY britânicas às esquecidas americanices de Ronettes da wall-of-sound de Spector com guitarras dos Velvet e a batida frenética dos Ramones, tudo pintado de cinzento sobre o verdejante das ilhas, com açucarada eficácia. E agora com releitura americana.
Aliás, mais de vinte anos depois, o engraçado Ă© que este tipo de som pop de garagem (que alguĂ©m intitulou “twee pop”) continua urgentemente delicioso. Capaz de arrepiar qualquer corpo triste de alto a abaixo atĂ© a boca desenhar um sorriso. No caso destes “andas de cristal”, a sua receita C-86 começou a dar nas vistas e nos ouvidos nova-iorquinos desde que se formaram em 2003. Pelo meio de muitos concertos e a benção de um fĂŁ famoso — nada mais nada menos que Hamish Kilgour, vocalista dos seminais neo-zelandeses The Clean — eis que os Crystal chegaram Ă perfeição pop num EP homĂłnimo que inclui a sua melhor canção: “Crippled Croon”. Infelizmente nĂŁo a recuperam para este “Alight of night”. Contudo, fizeram-no com os temas “Shattered Shine” e “Crystal Stilts”, repescados para este seu LP de estreia, curiosamente lançado na Slumberland Records. Curiosamente, porque esta editora americana de Washington DC tambĂ©m há muito que se tornou num bastiĂŁo (embora algo silencioso nos Ăşltimos anos) do mais perfeito “garage-twee-pop”. No seu catálogo brit-revivalista constam por exemplo os mĂticos Velocity Girl (em homenagem Ă mĂşsica que lançou os Primal Scream, incluĂda lá está, no “C-86”). Ou Henry’s Dress e Black Tambourine, duas bandas que anunciavam há quase vinte anos estes Crystal Stilts. Em todos se repete o mesmo eco Ă Psychocandy que embala as mĂşsicas, sempre bem exagerado na dose, fĂłrmula Ă qual acrescentavam a voz feminina.
E aĂ, alto e nĂŁo pára o baile. É que a voz de Brad Hargett e o seu distinto “crooning” fazem a diferença. Pretensamente manchesteriano, progressivamente neo-zelandĂŞs Ă la Flying Nun (editora oitentas dos The Clean, The Chills), a voz de Brad caminha sĂłbria sobre o "wall of sound" de onze belas canções. E que bem soam. E como o tempo voa.