Inevitavelmente, a consistência melódica de alguma música acústica sente-se atraÃda pelo mais ameaçador ruÃdo, um pouco como a Jane por um macaco peludo que sova o peito como demonstração de virilidade. Não nos deixemos enganar pela ingenuidade do Tarzan que vive inconsciente disso enquanto salta de liana em liana e invoca os animais da selva. Atrair opostos, sem falsos atalhos ou encaixes “a marteloâ€, é cada vez mais uma arte associável à parelha formada por Greg Davis e Sébastien Roux. O primeiro, dono de um currÃculo incrÃvel, costuma ser (legitimamente) responsabilizado pela expansão das possibilidades folk facilitadas por um laptop (manobrado como tômbola de conteúdos acústicos).
De resto, Merveilles esclarece que esse estatuto não lhe é merecido por acaso. Sem que houvesse necessidade de confirmar a fertilidade da sinergia electro-acústica sucedida em Paquet Surprise, a primeira colaboração de estúdio, quiseram as partes criar um complemento espontâneo entitulado Merveilles, que, apesar de repescar sons incluÃdos no álbum-mote, vale como experiência autónoma. Trata-se de um registo que engloba diferentes partes de um diário sonoro materializado por Greg Davis e Sébastien Roux na digressão que os juntou durante 2005 e 2006 na travessia da Europa e Estados Unidos.
O tÃtulo de cada faixa corresponde à cidade onde foi criada. Coincidentemente, a disposição geográfica de Merveilles serve para unir as suas composições sobre um mesmo piso temático (o avanço da máquina sobre o habitat animal é uma forte hipótese), salvaguardando, ainda assim, os traços especÃficos da fauna e flora de cada uma. É por isso que “San Francisco†amanhece despreocupada numa guitarra acústica e escurece depois num entulho sufocante de ruÃdos arrancados a cordas (capaz de acelerar a pulsação do calejado colega Bruno Silva), enquanto que, num contexto à parte, “London†nunca revela rupturas no seu nadar de golfinho entre correntes de drone amigável.
Na verdade, a complexidade de Marveilles transcende a das descrições anteriores, assim como a sua fluência é bem mais assimilável do que acreditarÃamos à partida diante de Davis e Roux. É um disco triunfante que, sorrateiramente, conquista o seu espaço e, por arrasto, a companhia estética da claustrofobia de Kim Cascone, dos naufrágios sublimados de Gavin Bryars e da tortura servida em grandes vagas pelos KTL. Nada mau para quem ainda só vai num segundo disco conjunto.