bodyspace.net


Gala Drop Gala Drop

2008
/ Flur


A noção visual retida aos primeiros tempos dos Gala Drop servia como prenúncio de todo o sentido que viria assumir o fluxo musical do duo entretanto tornado trio: dois tipos de joelhos – Tiago Miranda e Nelson Gomes – debruçavam-se sobre um conjunto de pedais de efeitos e outros aparelhos analógicos. Assim se sucedia a arqueologia Gala Drop, como quem cava a partir da cave, como quem oferece um contributo paralelo ao aprofundado esforço exploratório exercido em The Big Dig, dos Loosers, como quem aspira à mais farta colheita de som puramente orgânico através da vistoria atenta do entrelaçado código genético da música africana, conforme filtrada e depois devolvida por visionários da manipulação como Lee “Scratch” Perry ou Arthur Russell.

Relativamente ao activo mantido na temporada inicial, dedicada à montagem de muralhas de som e à caça dos ecos fantasmagóricos também perseguidos pelos Excepter, o álbum de estreia dos Gala Drop revela construções evidentemente mais refinadas e consistentes. Assim sendo, o zoológico de Lisboa terá de criar uma nova divisão, porque a natureza atípica dos Gala Drop faz deles um cruzado de tatu de carapaça sincronizada com camaleão de pigmentação adaptável a contextos tropicais vários (desde o kraut perdido na selva ao tribal mais febril), com a adicional peculiaridade da criatura se alimentar apenas de raízes. Gala Drop é também o “croupier” que baralha e volta a dar as mesmas raízes, distribuindo, por agora, sete trunfos, e reservando, na pilha de actuações ao vivo, outros mais para agitação dos astrais presentes.

Retenhamo-nos então um pouco no alcance genial de Lee “Scratch” Perry, nem que seja pelo facto de Gala Drop soar tantas vezes a goteira que descobriu uma brecha na Black Ark (lendário estúdio do Upsetter) para entretanto se tornar dilúvio dub – nesse sentido, repare-se em como a fabulosa “Ital” constitui fértil ponto de encontro para caudal que atrai caudal, delay que puxa delay, jogo rítmico que alastra a sua febre vermelha ao jogo rítmico mais próximo. O delay espreita a cada minuto de Gala Drop, como dispositivo de produção que estimula a absorção sensorial.

Faz todo o sentido que, durante o período de maturação das ideias que fervilham à superfície do guarnecido caldo Gala Drop, a equipa de arqueologia alargasse a sua formação a Afonso Simões (Fish & Sheep (r.i.p.), Curia), tal é a sua aptidão para invocar até aos seus braços e pernas a fibra, feitiço e capacidade de persuasão de (inserir os bateristas roots / entidades Nyahbingi obscuras mais apreciadas pelo próprio). Com o acrescento dessa mais-valia, encontra-se firmado o equilíbrio desta pirâmide erigida em nome da reinvenção do exotismo, ainda que à sombra vertical dos mais altos edifícios urbanos.

Gala Drop seria o disco predilecto de Mola Ram, não fosse o vilão de Indiana Jones e o Templo Perdido ter morrido entre os dentes dos crocodilos. Resumindo tudo isto à moda carioca, é possível arriscar: se ficar, a Gala Drop pega. Se correr, a Gala Drop come. Todos somos raízes, afinal.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
24/10/2008