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Camané Sempre de Mim

2008


Que tem Sempre de Mim que agarre do inicio ao fim? Que tem afinal o último disco de Camané para merecer o título de um dos melhores discos de fado da década? Os argumentos são muitos sobretudo se nos centrarmos em cada canção. Na primeira Camané tem saudades do Mar (assim com letra grande); na segunda deixa para trás os erros do passado (porque é aí que pertencem); na terceira faz um pedido à memória; na quarta fala de vidas com estranhos fados; na quinta fala do antes e depois de tantas coisas; na sexta usa a palavra para evocar um pesado silêncio; na sétima convoca ao sonho durante o fado; na oitava fala de um rio que tudo transporta; na nona de uma dança que mexe e remexe no passado.

Na décima aventura-se a discorrer sobre os ciúmes que decorrem da saudade; na décima primeira fala de umas mãos tão morenas quanto frias; na décima segunda trás conta a história de uma jura que evolui do passado e o futuro; na décima terceira deixa-nos conhecer a força de um certo brado; na décima quarta diz-nos as diferenças entre a noite e o dia; na décima quinta afirma que ser “aquele†é feliz e ao mesmo tempo infeliz; na décima sexta usa as palavras para mostrar que estas são fundamentais para chamar todo e qualquer à razão.

A voz é a que se conhece. O fado também. Mas há em Sempre de Mim uma Camané que é provavelmente o melhor Camané de sempre. Não é raro ao fadista excelentes discos mas este tem uma subtileza e gentileza superiores; uma clarividência que só a idade e a experiência trazem. Os músicos que o acompanham não só não o deixam ficar mal como permitem que Camané brilhe. Este fado respeita o passado sem lhe prestar continência; é reconhecível mas vadio ao mesmo tempo. É a expressão de um homem só, a debater-se com males de alma que podem nem ser os seus.

Os sete anos que se esperou pelo novo disco de Camané valeram a pena. Quem já conhece a peça sabe que este é o seu disco perfeito, quem nunca quis entrar no fado de Camané tem aqui uma derradeira oportunidade. Estão aqui os restos de uma portugalidade que já poucos desejam agarrar e que tantos ousam esquecer. Está aqui um conjunto de canções que, cantadas de forma tão segura e irrepreensível, ultrapassam essa mesma portugalidade e se debatem com a condição humana, aqui e em qualquer lugar do mundo. Camané já não é só nosso, é Património Mundial da Humanidade.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
21/10/2008