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Russell Haswell Second Live Salvage

2008
Mego


Descargas de ruído confinadas ao disco rígido de um laptop tendem a cair na esterilidade frequentemente. A libertação (que se pretende) orgásmica nos inúmeros projectos de noise de quarto, cai muitas vezes numa brutalidade rotineira à qual não é imune o ascetismo do código binário. Mais do que a catarse electrificada característica de projectos mais apegados ao rock ou a uma abordagem orgânica, o noise digital acaba por depender da capacidade do seu criador de humanizar o ruído que de asséptico passará a assumir posições de desconforto ou tensão (por outras palavras, sentimentos).

Conhecer o silêncio é fulcral para que não seja o ruído pelo ruído, antes a descoberta dos sons escondidos pela manta distorcida do 0 e do 1. Onze anos depois do colossal Live Salvage, Russell Haswell volta a confirmar a sua posição de esteta num saturado meio de geeks neuróticos com frequências AM na cabeça. Porque conhece o silêncio, e embora este pareça ausente de grande parte de Second Live Salvage é peça fundamental nestas seis descargas de ruído do músico inglês. Mais do que tal libertação orgiástica a tensão assume forma pela antecipação dessa mesma, imprevisível por entre o fuzz demoníaco do computador de Haswell.

Gravado ao longo de sete anos em diversas localizações (que dão nome às faixas), Second Live Salvage é um retrato fidedigno da versatilidade de Haswell dentro do seu próprio reino, onde nunca cai na mera ejaculação non sense que sabota tantos projectos com ambições similares. "08:12:14, 2000, Museu de Ciemcies, Valencia" e "10:53:82, 2002, Färgabriken, Stockholm" abrem o álbum em modo meta-metal, com Haswell a invocar a fúria dos ventos nórdicos com algo que poderia ser "Funeral Fog" em fundo. Com algum paralelismo com a obra-prima Sheer Hellish Miasma do seu congénere Kevin Drumm embora nunca de forma tão abrasiva, são dois dos petardos mais estimulantes já arremessados pela habitualmente recomendável Mego. "16:02:84, 2002, Schirn Künsthalle, Frankfurt" desconstrói batidas em pequenos surtos violentos para um público extasiado que agradece o sacrifício. Esse mesmo público, tantas vezes excluído de registos ao vivo pela edição, é aqui deixado intacto na gravação, assumindo o papel de personagem secundária nessa mesma humanização do álbum de Haswell, respondendo e interagindo com as súplicas do seu disco rígido feito tortura aprazível, enquanto este se vai deixando drenar em golfadas de sangue.


Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com
16/10/2008