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Buraka Som Sistema Black Diamond

2008
Enchufada / Sony BMG


From Buraka to the World foi um soco no estômago. Goste-se ou não (e há muita gente, legitimamente, que não aderiu ao, dizemos nós, irresistível comboio do kuduro-tornado-cool), é inegável o impacto que esse mini-álbum, de 2006, teria, com ondas de choque um pouco por todo o mundo. Foi esse disco que pôs o kuduro nas rotas internacionais da música de dança moderna-primitiva feita por gente como M.I.A., Bonde do Rolê e Diplo (que os convidou para o volume 9 da série Hollertronix). A revista inglesa "The Wire" responsabilizava-os pela "adopção (…) da batida do kuduro" pela paisagem da música de dança europeia. Para além de "popularizar a música do terceiro mundo moderno", este movimento "também libertou os ritmos afro-latinos latentes no electro, no house, no garage" e noutros géneros dançáveis.

Mas mais do que um trabalho pensado, a estreia discográfica dos Buraka foi uma forma de registar o que vinha a ser feito em palcos - foi nesse contexto, festivo, sem regras, que nasceu o hype em torno do grupo da Amadora. Notava-se essa urgência na forma simples como as músicas se desenrolavam, quase sempre com uma ideia forte por tema. Black Diamond, o álbum agora editado, parte de pressupostos diferentes (já há um "som Buraka", a banda ganhou um posto no panorama internacional) e os resultados reflectem-nos.

O dito "som Buraka" é aqui ampliado. Quando alinham a 100% no kuduro, os Buraka são ainda mais inflexíveis, deixando-se contaminar totalmente pelas batidas cruas do género, a que não é estranha a participação no disco de convidados angolanos com experiência "kudurista". Em "Luanda/Lisboa", por exemplo, DJ Znobia acentua a ligação do género à house (uma voz processada sublinha a ligação entre as duas "capitais" do kuduro) e "Tiroza", com Bruno M., faz-se de batidas roufenhas, camadas de ritmos em febril actividade.

Uma boa parte de Black Diamond dedica-se a explorar os pontos de ligação entre o kuduro e outras músicas periféricas. "Aqui para vocês", exercício declaradamente baile funk (Deize Tigrona ajuda), é o caso mais óbvio, mas há mais: "Beef", que reduz os ritmos maquinais do género a uma esquelética linha de baixo (some-se um refrão incendiário e a voz de Conductor, com mudanças constantes de pitch, e temos um dos momentos altos do disco); "Black diamond", com os britânicos Virus Syndicate, é uma hiperactiva e brilhante incursão pelo grime; "New Africas pt. 2", a cruzar percussão selvagem com sacudidelas de graves próprias do dubstep; e "General", que põe uma morna em confronto com a electrónica.

O encanto dos Buraka está na coexistência do kuduro pouco filtrado com novas possibilidades para um género aparentemente limitado. Esta capacidade de criar música de dança fresca e sem paralelo no mundo é particularmente visível nos dois primeiros singles, "Kalemba (Wegue Wegue)" e, sobretudo, "Sound of Kuduro" (com a participação de M.I.A., Znobia e os MC Saborosa e Puto Prata, frenéticos nas rimas).

"Sound of Kuduro" seria provavelmente a melhor canção a nascer em Portugal nos últimos anos, não fosse ela produto de uma união Sri Lanka-Inglaterra-Lisboa-Angola - um eixo em expansão (ao qual se pode somar qualquer ponto do mundo) e que é a melhor definição do que os Buraka andam a fazer.


Pedro Rios
pedrosantosrios@gmail.com
01/10/2008