bodyspace.net


Natalia Clavier Nectar

2008
ESL Music


Tudo começa com a espontânea declaração: «Este amor que tengo para dar te es puro». Genuína afirmação expressa num espanhol de coração nas mãos. Tom sincero de quem não se roga de timbrar uma voz cobiçosa de perfeição que essencialmente reconhece a castidade de um sentimento poderoso e nele vê o principal ingrediente na elaboração de canções. Poesias eloquentemente cantadas que nada mais são que simples odes ao amor. É nesse desejo que se joga a acção primordial deste disco de estreia da argentina Natalia Clavier: na esgrima de palavras, na contorção de frases, na escultura de canções emocionadas. E talvez aqui se esgotem os pontos positivos deste disco editado com a chancela da ESL Music.

Nectar é, durante os primeiros contactos, um disco aprazível e até mesmo em alguns instantes um registo positivamente amoroso; com um senão venenoso: este néctar está repleto de lugares comuns que Eric Hilton – cara metade dos Thivery Corporation aqui na função de produtor – ajudou a erguer. Do exotismo vocal quente e sereno, até ao gosto amargo e desgastado da electrónica orgânica com ritmos slow motion excessivamente nutridos com os tiques dos Thivery Corporation, fica-se com ideia de que estamos perante um pote de agridoce onde nada acontece de verdadeiramente interessante a nível autoral.

O tempo, como sempre, encarregar-se-á de esclarecer os sentimentos contraditórios; Nectar não deixará de revelar, como consequência da recomposição a que foi sujeito, as fragilidades de um disco nascido inicialmente num caldeirão latino tango/folk/ pop e depois transformado num doce marasmo lounge.

Se a tentação de suavizar as arestas mais puras não tivesse sido tão forte, até estaríamos, qui çá, perante um disco revelador de todas capacidades de composição de Natalia, que desta forma vê o seu espaço, enquanto autora – com todos os defeitos e virtudes –, reduzido. Assim entre a ternura do tango lasso que se tenta soltar do estigma Gotan Project («El Ãrbol», «Ay de Mí» ou «Mi Mentira») e a complacente tirada “electro-orgânica†repleta de ritmos apontados ao sofá ( «No Volverá», «Dormida» ou «Azul») poucas dúvidas haverá sobre o habitual esforço de produção de Hilton e a sua falta de ambição na construção de temas com maior envergadura estética. Perante o beco sem saída, restará a Natalia – e sua belíssima voz – continuar a sonhar com a pureza do seu amor e esperar por novas iniciativas.


Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com
17/09/2008