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Girl Talk Feed the Animals

2008
Illegal Art


Um dos momentos favoritos da minha vida foi quando, em pleno festival da Pitchfork em Chicago em 2007, Gregg Gillis, ou Girl Talk, estava a meio do seu concerto (é ele, um laptop e samples de outras pessoas, mais nada) e, depois de um bocado de “Wat’cha Want?” dos Beastie Boys, passa para o mash-up que fez de “Knife” dos Grizzly Bear com “Wamp Wamp (What it Do)” dos Clipse (dois dos melhores singles de 2006). Com as duas bandas em cima do palco a fazer as partes delas.

É mentira: nunca saí da Europa e os Clipse não estavam lá em palco, apesar de terem ido ao festival (e um bocadinho de “Triumph”, dos Wu-Tang Clan, apareceu lá no meio). Mas os Grizzly Bear estavam e cantaram e dançaram com os Beach House e os Deerhunter (mesmo eles não conseguiram estragar o momento). E no fim passou-se para o beat de “Summer Love” de Justin Timberlake, uma das piores canções de FutureSex/LoveSounds. Mas não deixa de ser um momento incrível, que fica para a História.

Vi-o, sim, em 2007, mas em Barcelona, no Primavera Sound, depois dos Justice, num dos melhores concertos que alguma vez vi na vida. Aí, fazia-se a ponte entre Night Ripper, o disco que trouxe o nome Girl Talk às bocas do mundo e este Feed the Animals. Lembro-me, por exemplo, dos samples de “Whoomp (There it is)” dos Tag Team e de “Girlfriend” da Avril Lavigne que aparecem aqui, para além de “C.R.E.A.M.”, dos Wu-Tang Clan. Tudo óptimas canções, claro, e, mesmo que não se pense assim, o dom de Gillis assenta em tornar evidentes as partes boas e pôr-nos a gostar daquilo de que não gostamos.

O tempo que houve entre Night Ripper e Feed the Animals trouxe a Gillis uma barba e cabelo comprido, mas não o levou à Índia (até Night Ripper tinha "Indian Flute" de Timbaland & Magoo). Levou-o a um disco tão bom ou melhor, a uma parte dois de Night Ripper, longe dos começos abrasivos de Secret Diary, em que o sampling de canções pop servia como ponto de partida para colagens electrónicas e quase homenagens ao Merzbow e a outros nomes do noise, mas com alguns piscares de olhos à electrónica lúdica de Unstoppable. Tristemente, não há nada aqui que se aproxime da junção do piano (e depois do refrão) de "Tiny Dancer" do Elton John e da primeira estrofe nostálgica e sonhadora de "Juicy" do Notorious B.I.G., o ponto alto de Night Ripper e dos concertos (há vídeos disso ao vivo em festivais grandes e toda a gente, toda a gente, sabe a letra toda de cor e passa-se completamente, um momento belíssimo). Mas também não há no mundo duas canções assim que funcionem tão bem juntas. Se existissem, vivemos na certeza de que Gregg Gillis as conheceria e as poria aqui. É esse o seu talento.

Começar com um sample de “Int’l Players Anthem” dos UGK, o meu single favorito do ano passado, um posse cut à antiga, com quatro estrofes geniais de quatro rappers virtuosos, é de mestre. Mas ninguém se lembraria de começar e acabar com aquilo. No início há o fim dos versos de Andre 3000 dos OutKast, quando diz “play your part”, por cima de “Gimme Some Lovin’” dos Spencer Davis Group e depois um bocado da estrofe do infelizmente defunto Pimp C, que começa com “my bitch a choosey lover, never fuck without a rubber”. No fim há “keep your heart, Three Stacks, keep your heart, these girls are smart, Three Stacks, these girls are smart, play your part, play your part” por cima de “Faithfully”, a canção sobre manter uma família na estrada dos Journey que esteve a tocar durante a maior parte da faixa.

Pelo meio há uma festa intensa que é uma celebração de toda a música pop do mundo de sempre (anglo-saxónica), onde Jay-Z rima os versos de “Roc Boys” por cima de “Paranoid Android” dos Radiohead, onde “Lollipop” com o refrão de “Shorty wanna thug / bottles in the club” de Lil Wayne aparece por cima da guitarra de John Frusciante em “Under the Bridge” dos Red Hot Chili Peppers.

Muita, muita coisa, demasiada para enunciar. O solo de “Bohemian Rhapsody” dos Queen, a bateria de “Song #2” dos Blur (Gillis dá aqui, mais do que nunca, grande destaque às batidas e a forma como umas dão espaço a outras está óptima, com detalhes perfeitos), “Since U Been Gone” da Kelly Clarkson, “Jessie’s Girl” do Rick Springfield (que alterna com o “but I’d rather get some head” de “I’d Rather” dos Three 6 Mafia – e depois mostra a frase completa: "I said I love havin' sex but I'd rather get some head"), etc. A sequela perfeita da festa perfeita e uma carta de amor à música pop.


Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net
31/07/2008