Um dos pressupostos pestilentos que mais pesa sobre a electrónica pura é aquele que dela espera um género sempre obrigado a apresentar novidades para não se revelar caduco e, assim, impertinente. Para evitar a foice do tempo, a electrónica mais visÃvel age conforme o seu próprio timing cÃclico que efectua rotações de dois anos a quatro anos, que, depois de esgotadas, são remetidas a um adormecimento mais ou menos doloroso. A electrónica que, por sua vez, olha assumidamente para trás, acaba por ser etiquetada como matéria reciclada ou oportunista nas formas que recupera. Existe, contudo, uma amnistia que protege os autores mais excepcionais de todas essas leis e perseguições: aquela que faz com que um nome (e adjectivo) suficientemente definido e igual a si mesmo não seja obrigado a responder por alegações de apropriação de colheita alheia. Outro exemplo evidente (e recente) de como a autoria pode ser soberana encontra-se em “We Carry Onâ€, a marcha de Third que os Portishead tornaram ainda mais intensa com a inclusão de um culminar próximo do drum n’ bass que só não soa a colagem, porque esse momento é, acima de tudo e simplesmente, Portishead.
Pela mesma tabela, Love or Die só não é completamente kitsch ou datado como as peças de um museu esquecido, porque essas são caracterÃsticas que se diluem até certo ponto no fluÃdo que percorre o interior identitário de Sumumu Yokota, produtor nipónico que impressiona pela prolificidade exibida no trajecto nómada, que tem vindo a render habitualmente um par de discos por ano, abrindo espaço para estadias (nem sempre muito bem conseguidas) no terreno do house, ambient, techno ingénuo e da J-Pop que oferece vontade de ir à s compras. O universo de Susumu Yokota gira sobre si mesmo, e sobre as mesmÃssimas sensações floridas de tantas outras ocasiões, e Love or Die chega a ser tão autista face à actualidade que mais se parece com a reedição de um disco esquecido em estúdio em certa altura de 1997. Independentemente de ser abundante ou escassa a paciência reservada para os seus pianos extremosamente cândidos ou para observar as diversas flutuações de texturas sedosas ao ponto do ridÃculo, Love or Die consegue ser aborrecido e repetitivo, quando esses não eram certamente defeitos conhecidos a discos como Grinning Cat (ponto alto) ou Wonder Waltz (que, no seu destemido espalhafato, conseguia agrupar house autêntico e o relinchar de cavalos).
Parece então que Susumu Yokota cometeu também o pecado de olhar por cima do seu ombro. Como quem aproveita as deixas de um Symbol, que tinha como tique mais comum a “samplagem†descarada de sinfonias clássicas reconhecÃveis, Love or Die acede a arranjos balofos (as suas penas de pavão) para elevar enlaces de ritmo e harmonia até um paraÃso assexuado que só não é comparável ao dos discos de Durutti Column por ser muito menor na consistência e diferente na tendência. Num só golpe, Susumu Yokota conseguiu relativizar a capacidade que tem de oferecer continuidade a si mesmo, assim como ao interesse e curiosidade que, de vez em quando, levavam alguém a ir espreitar os seus passos.