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Albert Hammond Jr. Cómo Te Llama?

2008
Rough Trade / Popstock


São usualmente óbvias as formas encontradas, por algumas bandas e não apenas por certos rappers, para reflectir na música a promiscuidade sexual vivida em períodos de enorme popularidade em que o céu é o limite. Quando os Blur se encontravam prestes a ser merecedores de alta rotação nas rádios de todo o mundo, Damon Albarn cantava Du bist sehr schön, But we haven't been introduced(És muito bonita, mas ainda não fomos apresentados), no libertino single-trampolim que foi “Girls & Boys”, e, muito subversivamente, apelava a que todas as diferenças entre turistas alemães e ingleses fossem resolvidas entre as paredes de quarto de hotel e não ao murro nas ruas. Os sotaques, assim como a habilidade de seduzir numa língua que não a materna, são bens altamente sensuais.

Denunciado pelo seu título em espanhol, Cómo Te Llama?, o segundo álbum de Albert Hammond Jr., que normalmente se ocupa da guitarra-ritmo nos Strokes, é a materialização power-pop da oportunidade reservada a alguém sem a aparência atraente de Damon Albarn, mas com talento e charme suficientes para orientar o seu próprio Du bist sehr schön como isco para lançar a um possível coração-gémeo que se atreva a trincar a frase que procura “meter conversa” . Ou seja, recorrendo a outras palavras, pode-se referir Cómo Te Llama? como disco perfeito para ser gravado em cassete – o seu travo seventies aponta nesse sentido - e distribuído numa estância de férias como cartão-de-visita de um “cromo” (underdog, se preferirem) acanhado e introvertido, contudo capaz de alegrar a felizarda que o preferir aos atletas bronzeados de beira-mar.

Albert Hammond Jr. não vive certamente carente de atenção feminina (namora com a modelo Agyness Deyn) e é só mesmo por desporto que Cómo Te Llama? foi (possivelmente) criado nesses termos de loser que se vinga na power-pop. A gestão desportiva que Hammond Jr. faz de um cancioneiro com soluções para tudo, é, aliás, uma das características que aproxima mais esta sua segunda aventura do sabor descontraído e variado da sangria: a fruta descobre-se sumarenta a uma delícia de guitarras descaradamente college rock com o nome de “The Boss Americana”, o sabor exótico sente-se a “Borrowed Time”, reggae com a ponta de cinza prestes a cair sobre o tapete , enquanto que o ingrediente espirituoso andará mais espalhado pela suite instrumental “Spooky Couch” e pelos arranjos sinfónicos do que podia ser um Final Fantasy a reviver a magia de todos os dias de Verão em apenas 7 minutos. A sangria é também conhecida por agradar a jovens e graúdos: quem ainda não descobriu como resistir a estimulantes intemporais como “Glory Days” de Bruce Springsteen ou “Walk of Life” dos Dire Straits, contará também com muito por onde escolher em Cómo Te Llama?.

O gozo pessoal e quantidade considerável de fantasias que desfilam em Cómo Te Llama? torna-o também útil como cassete a deixar no gravador de chamadas, em sinal fingido de que tudo vai bem e sem arrependimentos, caso a ex-namorada volte a ter um momento de fragilidade que a leve a ligar para o telefone de casa (normalmente soterrado entre os discos de Buddy Holly e Jonathan Richman). Quando o clube do coração não ganha e encontra-se arrefecida a metade esquerda da cama, pode ser que Cómo Te Llama? faça muito jeito. Passam assim a ser dois os factores favoráveis a que o disco seja escutado em fita. Se o meu conselho não morrer em águas de bacalhau, a Rough Trade ainda vai a tempo de acrescentar esse formato aos que se encontram disponíveis para Cómo Te Llama?. Bem o merece Albert Hammond Jr. por ter criado um álbum sincero e consistente que ombreia destemidamente com qualquer coisa recente a cargo da nave-mãe Strokes.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
23/07/2008