De falta de ambição ninguém os pode acusar. Porque apresentarem-se numa assentada debutante com um disco duplo que expõe dois universos paralelos da música de dança (a música de dança, propriamente dita, e a música ambiental), só pode ser encarado como acto de destreza numa conjectura dominada pelo receio inexplicável da aventura ou entendido como um dos raros exemplos de explosão criativa saciado durante a concepção de uma linguagem de autor. E sejam lá quais forem os verdadeiros motivos por detrás desta peça erguida em dois distintos actos, não há um único instante de Animals que defraude o ouvinte, seja pela abrangência, seja pelo conceptualismo.
O que no fundo acaba por surpreender – ao fim de umas quantas horas dispensadas a assimilar a mensagem – é a capacidade de sÃntese usada para moldar os diversos géneros numa coerente linguagem abstracta. Não obstante a diversificada presença do trance, do techno minimal, do IDM, do house, do dub e até do "jazz digital" (muito à semelhança de uns Cobblestone Jazz), a ambient acaba por ser o elemento verdadeiramente dominador. O elemento capaz da união das diversas estéticas que os suecos Marcus Henriksson e Sebastian Mullaert não se rogam explorar para beneficio seja do corpo, seja da mente (escute-se as ambiências que interligam os temas no disco 1 para entender a forma intrincada e como tudo no fim se torna numa mescla confederada).
Animals não é um disco de fácil encaixe. É longo (aproximadamente 145 minutos), é intrigante e é um disco de instantes, de momentos especÃficos. Um disco apto a transportar o ouvinte para diversos estados de mente: A ansiedade efusiva criada pela fricção da repetência que é gerida com o objectivo único de proporcionar pequenas e inesperadas surpresas («33 000 Honeybees», «Jamaica» ou «Hypnotized»); a complexidade das equações IDM que geram a perplexidade matemática perante um estranho problema cientifico («View of a Juggling Ball» ou «Giant Hairy Super Monster»); a melancolia fria e solitária perante um quadro abstracto que não nega o espÃrito de Kingston mas que geograficamente admite a distância fÃsica («Cow, Crickets and Clay»); o calor tropical que invade o paraÃso num instante arrebatador («In a Distance»).
Facto não menos notável é a segunda parte de Animals. Disco percorrido essencialmente por melodias etéreas e ritmos em slow-motion. Canal único e difusor de sons em formato de banda-sonora, prestigiante o suficiente para preencher o vazio depois de uma rave ensurdecedora. Entre o trip-hop variegado, as indecisões pop ou mesclas jazz ocasionais, o disco 2 vive da interpretação dos sonhos numa vaga anacrónica que tanto embarca os delÃrios melódicos ambientais de Eno no inÃcio dos anos 80 como insufla as ambições do trip-hip ou do chamado lounge dos finais 90.
Grande quanto baste, Animals não passa despercebido em 2008. Sintetiza como poucos os últimos anos da música de dança; explora em proveito próprio algumas das suas fraquezas e sai enriquecido por saber contrastar as diversas faces da mesma moeda em andamentos e animosidades diferentes. E não fosse o tempo excessivo que força a sua escuta – muitas vezes por fases –, estarÃamos seguramente perante um dos raros manifestos techno e ambient desta década. Assim ficamo-nos pelo excelente em vez do brilhante.