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The Bug London Zoo

2008
Ninja Tune


Enquanto os motins de hype fizeram sangue na praça e o título do dubstep foi valor sujeito a todo o tipo de saque e oportunismos, o produtor britânico Kevin Martin, também conhecido por The Bug, manteve-se subterrâneo, sem dar muito nas vistas e sem necessidade de reivindicar os louros que lhe eram merecidos pelo determinante cunho que acrescentou ao género globalizado com a ascensão da (fugaz?) dinastia Hyperdub e dos seus principais talentos (entre os quais o próprio). À sombra de uma discrição por si próprio cultivada, Kevin Martin viu a caravana passar e nem sequer ladrou além dos soberbos e sorrateiramente bombásticos singles “Poison Dart”, “Jah War” e “Skeng” (justificadamente incluídos em London Zoo). Abdicou do avanço – propício a capitalização fácil - que lhe era proporcionado por Pressure, álbum de dimensão maior que, em 2003, estava claramente à frente do seu tempo e talvez demasiado afastado da atenção da maioria dos que perseguem e registam as movimentações desse mesmo tempo. Aquando do seu lançamento, Pressure era, no melhor dos casos, tomado como maduro, fatal e incendiário desfile digital de dancehall preparado para receber o futuro sobre os seus ombros de tradição jamaicana - fosse lançado hoje e provavelmente mereceria já catalogações como o dubstep e adereços periféricos.

Quase parece que foram os tempos que se tiveram de adequar às coordenadas vanguardistas facilitadas por Kevin Martin (enquanto The Bug, Ice ou God) e não o inverso. Pelo que fez em Pressure e nos regulares singles, que sempre foram muito mais do que depósito para as sobras, The Bug era legítimo merecedor de “uma palavra a dizer” antes de ser anunciado o funeral definitivo do dubstep como linguagem cujo processo de evolução se confunde com o de parte essencial da identidade musical da Londres dos últimos dez anos. O timing de London Zoo é o de quem deixou a poeira assentar para poder erguê-la novamente na totalidade, renovada e com a força de uma tempestade.

A alguém que decidiu finalmente assaltar o posto cimeiro de produtor que espelha o momento vivido em Londres (ou à sua volta), nada convém mais do que desafiar as convenções tornadas regras por quem por lá cimentou os seus próprios métodos, nem tanto somente no dubstep como na generalidade da mais inquieta (e insone) música urbana que, a partir da periferia, cerca as grandes metrópoles britânicas. London Zoo representa, pois, afronta a quem se sentir insultado pela sua atitude frontal e pelo carregadíssimo sotaque caribenho do dream team de vocalistas (toasters) convidados por The Bug para largada de farpas afiadas e blood clot (grosso palavrão jamaicano) por toda a parte. Ou será apenas acidental o simbolismo do besouro que, na capa de London Zoo, ergue um crânio moribundo até perto de uma lua nocturna e, no outro braço, uma metralhadora em direcção ao sol de um dia decisivo? Paranóia de quem escreve ou então London Zoo é mesmo - na disputa do território almejado pelo seu título - um rude despertar (em táctica de guerrilha) apostado em desintegrar o traje vampírico de Burial (provavelmente o principal responsável pelo eclipse que secundarizou Kevin Martin). Enquanto Burial optou por revelar uma Londres adormecida nos seus hábitos nocturnos, sob hipnose de sub-graves, coberta por um manto de cor púrpura, o antagonista The Bug prefere apresentar a capital como barril de pólvora que viu o seu rastilho ser ateado por ritmos descarados e estrondosos ao ponto de provocarem a debandada de todos os animais aprisionados e agora inseridos num cenário pintado de vermelho-vivo salpicado.

Culpe-se por tudo isto uma assalariada da BBC chamada Marie Anne Hobbs (reconhecida embaixadora do underground londrino) que, em 14 de Fevereiro de 2006, semeou o inferno numa lendária sessão do seu programa de rádio Breezeblock, que contou com a interacção imediata entre o selectah The Bug e nada mais nada menos do que dez MCs britânicos, entre os quais Flowdan – descoberto nessa ocasião e reutilizado por aqui nas cruciais “Skeng”, “Jah War” e “Warning” – e a predilecta Warrior Queen, ou Ari Up das Slits. Nessa sessão de Breezeblock, tal como em London Zoo, a sanidade é um bem que se vai tornando cada vez mais escasso à medida que The Bug dispara ritmos sísmicos e ameaçadoramente monolíticos, ao jeito de guarda prisional rebelde que decidiu soltar (o corpo e voz de) cada um dos reclusos ao som de um alarme industrial correspondentemente personalizado (Martin conhece bem a ginástica vocal de cada um dos seus patifes e aproveita isso ao máximo). É natural que a febre de amontoamento fizesse com que a fuga sucedida em Breezeblock fosse mais desorganizada. Por sua vez e sem deixar escapar um pouco que seja da energia concentrada, London Zoo é todo o ensinamento acumulado rendido numa arrebatadora tese favorável à comprovação de que ainda há vida em Londres, primo direito de um The Brotherhood of the Bomb que os Techno Animal (projecto partilhado por Kevin Martin e Justin Broadrick) aproximaram mais do hip-hop apocalíptico, além de sério candidato a um dos mais marcantes discos do ano.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
07/07/2008