bodyspace.net


Rocky Marsiano Outside the Pyramid

2008
Loop


Raras são as ocasiões em Portugal em que o que parece é. E nem a arte da produção musical escapará a velha desconfiança perante a ambiguidade narrativa ou a falta de orientação estética numa realidade de autor. Tem sido nessa encruzilhada entre o parecer ser bom e sê-lo realmente que o hip-hop nacional tem andado. E salvas raras excepções, poucos motivos tem havido para justos elogios.

A constante, e excessiva, preocupação com as rimas tem retirado protagonismo a um elemento essencial na equação do hip-hop: a produção. Só assim se poderá entender a falta de estímulo que alguns dos projectos nacionais provocam na alma dos mais convictos melómanos. Acreditar na conjecturarão que una a ritma certa, o groove perfeito a uma estrutura que privilegie a verve melódica não é certamente um desejo transcendente ou uma tarefa irrealista. Lições e ensaios não têm faltado; e mesmo que ainda não tenham atingido o estatuto de mestres, senhores como Sam The Kid e D-Mars têm sido incansáveis nas tentativas de implementação de directrizes específicas que equilibrem o poder da palavra sobre a arquitectura melódica.

No caso de D-Mars, produtor com um invejável currículo no circuito hip-hop nacional, o esforço tem passado essencialmente pela pesquisa, estudo e análise de diversas fontes (Herbie Hancock, Charlie Parker, Lou Donaldson ou Dizzy Gillespie), mas também pela fusão das diversas evocações históricas numa matriz contemporânea. Foi assim com projecto Double D Force (num patamar de especulação electro-funk) e assim continua a ser com o eloquente empreendimento hip-hop/ jazz instrumental de Rocky Marsiano.

O novo ensaio do luso-croata, Outside the Pyramid, é uma tentativa de fuga do poliedro inaugural de The Pyramid Sessions (2005). Uma sucessão óbvia que não abdica dos vórtices essenciais enquanto procura um novo molde onde se possam encaixar os desejos maiores da poesia sonora urbana. No fundo os mesmos fundamentos especulativos que haviam sido apresentados em The Pyramid Sessions com a soma de algumas interjeições abstractas em tom funk e bossa-nova ou contingências electro-house-funk em estado absorto.

Por outro lado há probabilidade deste disco soltar um perfume ingénuo e datado e de se lançar em considerações hip-hop mais evidentes, no entanto nada fará dele um produto estéril, descartável ou de segunda categoria. De boa verdade se diga: Outside the Pyramid será eternamente melhor que a mediania do hip-hop nacional e soará sempre àquilo que realmente é: um bom disco. Directo e sincero nos artifícios e sem grandes ilusões de grandeza – apesar do grande espírito que revela.


Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com
25/06/2008