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William Basinski El Camino Real

2007
2062 / Flur


Os ouvidos cépticos para El Camino Real, por força das semi-desilusões de The Garden of Brokenness e Silent Night, foram preponderantes para que este fosse acolhido com uma apatia que se veio a revelar tão em consonância com a intangibilidade da sua música. Perdida a virgindade em relação à sua obra com o magistral The Disintegration Loops, notável registo do efeito (destrutivo/criador) do tempo através da erosão das fitas onde estavam contidos os loops, todos os registos posteriores foram "forçados a competir" com este para que a sua memória fosse mais do que uma nota de rodapé por entre conversa de café sobre o novo registo de Dialing In ou Grouper.

Improvisando com a passagem do tempo, Basinski criou nos quatro volumes da série, uma música que ao invés de invocar o tempo pela via da memória (como Philip Jeck) ou nostalgia (Fennesz), fez uso deste enquanto manipulador físico, criando assim um ambiente acolhedor, mas paradoxalmente desconhecido, por ser tão desapegado da realidade. De certo modo, a ignorância teve aqui um papel magnificador do encanto da descoberta que o mundo Basinski revelou ser. Tal fenómeno é obviamente irrepetível (daí a alusão sexual), mas a pouca vontade que levou El Camino Real a permanecer em cima da aparelhagem durante tanto tempo em silêncio, foi, mais do que preguiça, motivada por um desinteresse que em muito se assemelha a quem nada espera (até certo ponto).

Reentrar no universo etéreo de Basinski foi durante cerca de 50 minutos não um regresso a casa, mas a descoberta de uma nova onde se quer ficar. Apesar de idiossincrática, a sua música nunca repele, pelo contrário , o seu ambiente volátil absorve delicadamente toda a atenção para si, sustendo-se no seu próprio movimento implosivo, fluído, triunfante. Resgatando as fitas que lhe deram origem, para uma performance no centro de artes de Montalvo, a tapeçaria sonora de El Camino Real mostra-se tão auto-suficiente na sua envolvência que não deixo de especular qual o seu propósito e como poderá ser contextualizada, num trabalho que exige tanta intimidade. Na impossibilidade de o poder atestar, deixo apenas a dúvida no ar como elogio.


Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com
16/06/2008