NĂŁo Ă© necessariamente condenável o apego que cola homens com alguns quilinhos a mais aos seus respectivos sofás, naquela campanha publicitária de sensibilização que os encontra a jogar futebol sem saĂrem do lugar onde normalmente vĂŞem televisĂŁo. Na foto que serve de capa a Ode to the Ghetto, Guilty Simpson transparece orgulho e um certo sentimento de posse no assento rĂ©gio que ocupa num lugar com aparĂŞncia mista de barbearia e lavandaria, registado a preto-e-branco como quem sinaliza uma era simultaneamente clássica e contemporânea.
Viajado e invariavelmente retornado ao berço de metal quente Detroit, protegido do lendário produtor Jay Dilla (que, em vida, o escolheu para participações em Champion Sound e Ruff Draft), Guilty Simpson Ă© credĂvel portador do sangue puro apregoado nas rimas emparelhadas no debute em nome prĂłprio, Ode to the Ghetto, e peĂŁo suficientemente mĂłbil para servir lĂrica afiada e sabedoria de rua ao calor das batalhas urbanas armadas pelas produções (em toada de jungle music) a cargo do predominante Madlib, Oh No e Black Milk (entre outros) - tudo isto sem que nunca seja abandonada a zona de conforto conquistada com a vivĂŞncia e proximidade que Simpson possa ter desenvolvido com o crime e conflitos de bairro, alĂneas que ficam sempre bem no currĂculo de um MC de corpo inteiro.
É altamente favorável ao retrato cru tentado por Ode to the Ghetto que a ordem das suas produções muito se pareça com uma digressĂŁo auditiva – transversal e aleatĂłria - pelas várias divisões de um ghetto tradicional: filtrando e reaproveitando – pela mĂŁo de Madlib - hooks da mĂşsica indiana aos rádios mais poeirentos das mercearias pertencentes a asiáticos, passando pelos sintetizadores obesos que porventura se escutam quando as strippers dançam em torno do varĂŁo (em “Footwork” ), reflectindo a ambição e megalomania de alguns dos habitantes na grandeza (de travo roots) da faixa-tĂtulo “Ode to the Ghetto” .
Enquanto anfitriĂŁo do percurso por esses carris tortos, Guilty Simpson parece virtualmente inesgotável e nunca excessivo no debitar lĂrico (recordando ocasionalmente o Ice Cube mais rebelde do old-school Kill at Will), ao ponto de ser capaz de inverter o sentido descendente em que mergulham algumas produções um pouco previsĂveis. Em todo o caso, esperamos que a dinastia Stones Throw continue a proporcionar condições tĂŁo favoráveis quantos estas para que o reinado de Guilty Simpson perdure por muitos mais anos, assim como o seu lugar na poltrona do ghetto a que dedica válida ode por aqui.