Como se nĂŁo fossem suficientes os motivos de que alguĂ©m dispõe para se entregar Ă bebida, eis que há bem pouco tempo o Ăcone Artur Albarran regressou ao horário nobre televisivo, trazendo com ele todo aquele sensacionalismo de choque, reconstituições mal encenadas e o inevitável trĂptico que une o drama, o horror, a tragĂ©dia. Quando alguĂ©m se encontra bem protegido entre as paredes de um estĂşdio, Ă© certamente confortável transformar a desgraça alheia em entretenimento. NĂŁo há grande risco em fazer-se uma piada acerca de um bairro social a menos que se esteja num cafĂ© do mesmo bairro social.
Jon Chapple merece crĂ©dito, ou pelo menos um largo benefĂcio da dĂşvida, tal Ă© a cegueira que cultiva como lei psicĂłtica no interior dos Shooting at Unarmed Man, tal Ă© a variedade de instrumentos de tortura – um exĂ©rcito de guitarras Fender e mĂ©todos de produção Steven Albinianos - a que remete o corpo nu de um rock já de si predisposto ao masoquismo. Tudo isso conhece sentido prático num disco triplo(!!), Triptych, que pode ser tomado como a soma de trĂŞs EPs (4+4+4(+1) faixas que cabiam bem em 74 minutos), o racionar do veneno pelas aldeias, a montagem de trĂŞs ratoeiras em vez de uma. Saliente Ă© a certeza que dita Jon Chapple como homem certo para que haja vivacidade e nĂŁo apenas fachada no trĂptico o drama, o horror, a tragĂ©dia enquanto inscrição aos pĂ©s sangrentos de um rock destemido.
Talvez fosse a bravura e sangue na guelra o combustĂvel que levou Jon Chapple a manter, em paralelo ao sĂłlido percurso da abrasiva unidade gaulesa Mclusky, estes Shooting at Unarmed Men, que começou por ser um pouco sĂ©rio escape criativo e, que em Triptych, conhece finalmente consolidação e repatriamento australiano (o lĂder sediou-se no continente marsupial e por lá recrutou baixista e baterista). O carimbo no passaporte nĂŁo impede, contudo, Jon Chapple de ser tĂŁo vincadamente brit como sempre: Ă© por isso que “Things You Can and Cannot Do” se parece muito com um hino dos Monty Python a cumprir rigoroso e ruidoso serviço militar, com o agravo dos “Cavaleiros que dizem Ni!” passarem a ser “Os Cavaleiros que dizem Cabum e Ratatata!”.
Obrigando a interrupções reflectivas, com a troca de discos no leitor, Triptych proporciona tempo útil ao entendimento de que Jon Chapple sabe bem distorcer a canção ao ponto de parecer que a escutamos quando já se encontra entre os dentes do crocodilo, sem hipótese de inverter o seu fatalismo (mesmo quando o malabarismo é livre como em “Full Proof Plan for Successful Living”). A subversão é, de certo modo, um desporto radical e Triptych um triatlo de sofrimento exposto, vertigem obtida ao engenho técnico e todo a intensidade de quem o sente na pele – aquilo que falta a Artur Albarran enquanto tenta amedrontar a classe média num qualquer serão de Sábado.