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Thee Oh Sees The Master’s Bedroom is Worth Spending a Night In

2008
Tomlab / Flur


Os Oh Sees não estão aqui. Os Oh Sees não estão a acontecer. Evaporaram-se, sem sequer deixarem um bilhete de despedida, e passaram a ser apenas miragem da banda pronta-a-mastigar que poderiam ter sido numa encarnação muito mais cinzenta e nula. No seu lugar, permaneceu um vinil que distraidamente o Diabo – repleto de brilhantina nos cornos - deixou a rodar sob uma agulha grotesca num qualquer barracão de localização incerta, num qualquer dia amnésico de mil novecentos e não sei quantos. O disco abandonado tem o convite The Master’s Bedroom is Worth Spending a Night In inscrito no seu centro avermelhado e serve como terceiro capítulo à saga de interesse crescente protagonizada pelos Oh Sees que passaram a ser banda de corpo inteiro assim que foi cremado o mais caseiro e experimental corpo dos O.C.S.. A responsabilidade (e manipulação) de tão malévola criação recai sobre John Dwyer, notoriedade presente em apogeus vários da Load Records, erecção cega quando em contacto com o zinco quente de uma garagem, guitarrista excepcional, que aqui morde com força para deixar sangue pisado bem junto às orelhas vitimadas.

Mais drástica é a ferida quando se percebe que Brigid Dawson, vértice feminino do quarteto, toma parte activa neste carnaval de rock coloridamente psicadélico e ofuscante por via de todo o exorbitante dilúvio de eco que torna indistinguíveis as fronteiras entre os instrumentos e indecifrável grande parte do conteúdo lírico em desfile. Brigid Dawson que, no anterior Sucks Blood era musa de todas as emoções horizontalmente pacificadas, repete a sua estadia no “intocável além” que serve de moradia aos Oh Sees, mas, por ora, como um espectro ambulante que espalha estridência eufórica por onde passa. Fá-lo sob a monitorização atenta dos fantasmas tecnicamente engenhosos de Dave Sitek (solicitadíssimo produtor e membro dos TV on the Radio) e Chris Woodhouse, suspeitos prioritários caso seja necessário incriminar alguém pelo aspecto de Technicolor berrante que pinta toda a dimensão deste maldito disco como pintaria a fita de uma cassete VHS desgastada pelo uso.

Em toda a sua glória de emboscada nocturna, The Master’s Bedroom is Worth Spending a Night In é comparável a um episódio de Scooby Doo que dá para o torto quando algo falha numa transacção entre Shaggy e um mordomo sinistro. Além disso, John Dwyer pela-se pela oportunidade de talhar um riff de guitarra que possa servir como substituto para os sons violentamente quebradiços (Craque!, Pranque!) que dominam aquelas barafundas onde uma ou ambas as partes terminam a noite a soro no hospital. E são muitos os riffs certeiros que perfuram a cortiça do alvo, mas inevitavelmente destacáveis aqueles que ateiam fogo a “Grease 2” e “You Will See This Dog Before You Die” (em jeito de moeda-Houdini atirada ao poço do desespero). Bem instalado no topo da pirâmide, o clássico instantâneo “Block of Ice”, que já o ano passado era prenúncio de estrondo na mais arrastada versão dos Intelligence, serve como argumento decisivo à clarificação da certeza de que, quando atam as pontas mais inspiradas das suas quatro parcelas, os Oh Sees são capazes de fazer atípica mossa melódica de impressionante craveira Vaselines (lendas do twee que Kurt Cobain venerava).

Tudo isto podia ser penalizado pela acusação retro, que, tal como a ligeiramente imbecil comparação aos B-52’s, é dardo venenoso que persegue os Oh Sees, mas bastará o contacto mínimo com John Dwyer para perceber que o homem é suficientemente lunático para nem suster capazmente a imitação de uma qualquer lenda da guitarra. Como pode alguém emular o som das jump blues quando parece constantemente prestes a estatelar-se no chão? John Dwyer, tal como Naomi Campbell, é incapaz de manter um comportamento modelo.

Por sua vez, a generosidade presente em toda a duração do álbum – composto por 13 temas onde só o perfeccionismo identificará pontos evidentemente frágeis – prolonga-se por duas faixas bónus (incluídas no formato CD) que servem perfeitamente ao enquadramento actual dos Oh Sees através da marcação de dois pontos na linha cronológica da sua estética: um primeiro, “Quadrospazzed”, serve como provável amostra da mais ampla e energicamente cumulativa via jam que a quadrilha poderá assumir a partir daqui. O segundo, “Koka Kola Jingle”, apostado em recordar, em forma de esboço, a eficiência que Sucks Blood mantinha enquanto conjunto de graciosas canções altamente propícias a peregrinações sonâmbulas e a todo o tipo de meditações que desafiem o peso do fardo corpóreo.

Toda a propaganda descarada feita em prol The Master’s Bedroom is Worth Spending a Night In termina obrigatoriamente no aconselhamento de que toda a entrega na sua direcção deve ser incondicional. Isto porque vale a pena oferecer o pescoço à sede de Drácula, carne-fresca a Frankenstein e os molares aos mais sádicos dentistas. Macacos me mordam também se estiver enganado acerca do absoluto, transbordante e implacável magnetismo oriundo desta luxuosa suite de rock monstruoso onde vale realmente pernoitar hoje e todos os restantes dias daqui em diante. Não serão necessários poderes psíquicos extraordinários para adivinhar qual foi o (descartado) “remate de bolso” mais ponderado para servir como conclusão a esta assumida declaração de amor.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
13/05/2008