Pode até já ter estado mais em voga aquele cenário fictício que – em termos gerais - encontra uma mulher no lugar de “instrumento” à mercê da obsessão de um cientista louco ou de um anfitrião fetichista. O cenário apresenta-se por agora datado porque os exemplos imediatos encontrados para o mesmo são também peças que tiveram o seu tempo. Nesse sentido, vale a pena repescar o teledisco de “Mary Jane’s Last Dance”, em que o cantor Tom Petty encarnava um personagem sugestivamente necrófilo que maquilhava e vestia a gosto o cadáver da dama interpretada por Kim Basinger para, no final, confiar o corpo adorado ao mar. Apesar de tresandar a toda a patetice própria dos anos 80, o filme Boneca Mecânica debruçava-se também sobre as formas como podia uma mulher acomodar-se à vontade utópica de um homem (neste caso, de alguém que, erradamente, julgava preferir a versão-andróide de Melanie Griffith ao seu equivalente em “carne e osso”). Existe, mesmo assim, o exemplo clássico: Tomb Raider e a noção assente de que o seu fenómeno global encontra-se evidentemente ligado à ideia de que, a um gamer aprisionado na timidez de uma Playstation, bastam apenas dois polegares e dois indicadores para colher um número infinito de perspectivas à voluptuosidade pixelada de Lara Croft.
Acumulando (e dignificando) alguns dos traços masculinos acima mencionados, COH encontrou em Cosey a Playstation dos seus sonhos mais húmidos. Por COH, entenda-se, a partir de agora, Ivan Pavlov, guerrilheiro russo dado a tácticas variáveis e imprevisíveis, mas geralmente planeadas num laptop que ultimamente (em Strings) filtrou e manipulou o som recolhido a todo o tipo de cordas e que, desta vez, se concentra nas vocais que Cosey oferece ao presente disco. No lugar de matéria-prima, Cosey serve para abreviar o nome a Cosey Fanni Tutti, obscuro chafariz de mil e uma facetas artísticas que, com o avançar do tempo, foram tabelando no dadaísmo, música experimental e auto-retrato pessoal (a conferir no muito revelador conjunto Time to Tell). Além disso, quando se tem um passado ao lado de P-Orridge nos infames Throbbing Gristle e considerável experiência no mundo da pornografia de índole mais sado-masoquista, é compreensível que seja praticamente nula a intimidação provocada pela carta-verde de que dispõe COH no tratamento das manifestações vocais a cargo de Cosey, que as acumulou, durante algum tempo, numa espécie de diário sonoro das suas reacções emocionais às mais diversas situações do dia-a-dia. O conceito é basicamente esse, se bem que gerido ao jeito de disco de electrónica sensorial incidente na manipulação de componentes orgânicas (incluídas na sua forma reconhecível e irreconhecível). Sem que se quebre a tradição, a Raster-Noton volta a ter em mãos uma polida pérola que reflecte também o inabalável índice qualitativo do seu catálogo.
A Raster-Noton terá também exibido o mais gratificado dos sorrisos quando colocou os ouvidos sobre o dinamite de atrevimento que é COH Plays Cosey, seja na sua desfragmentação dos sons de prazer feminino (reduzidos a uma primordialidade animal em "Mad"), no indiscreto levantamento voyeur de gemidos capazes de fazer corar a Cicciolina ou no aproveitamento do rubor abafado entre dentes que mordem uma almofada para aplicação como revestimento de câmaras herméticas de electrónica cerebral. Para mais, COH Plays Cosey estoira noutros sentidos: pervertidamente, perfaz a antítese da pureza disciplinada que se adquire na catequese. Chega mesmo a incluir harmonias tubulares próximas das que emitiria um órgão de igreja, desde que profanado pelo espírito de uma mulher que vendeu a alma ao diabo em troco de uma maior facilidade na obtenção de orgasmos múltiplos.
Não impressiona que Ivan Pavlov compare esta sua gestão engenhosamente múltipla a um jogo de Tetris, atendendo a que existem momentos de acumulação (ocasionalmente imperfeitos, como os espaços que impedem uma linha de estar completa) que aguardam pelo momento certo (a peça recta) para preencher as 4 linhas de uma só vez. Ele entende bem que o sucesso deste inflamado diálogo sexual depende de um timing exacto, ideias lubrificadas e estimulação simultânea dos diversos pontos erógenos daquela que acedeu a confiar-lhe a sua voz. Com algum arrojo, é possível classificar COH Plays Cosey como obra-maior em termos de electrónica-papanicolau (género algo secretista e pouco explorado) – o que, simplificando as coisas, equivale a dizer que pode bem andar por aqui o disco de electrónica que faltava para agitar as águas mais paradas deste ano.