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Portishead Third

2008
Universal


Muitos dirão que à terceira nada volta a ser o que era antes. E ainda bem que a consciência dita a mudança quando ela realmente se exige. Não porque tenha de ser forçada pela simples necessidade de alterar o status quo ou porque as modas assim o exigem, mas sim porque o íntimo da alma também necessita de percorrer novos caminhos quando as vicissitudes da vida assim o obrigam.

O percorrer da rua exige respostas, tal como as respostas exigem tempo. Na mesma proporção que a rua necessita de um destino capaz de tornar real a exigência de uma estratégia de vida, a força anímica terá de ser a alavanca vigorosa que faça com que tudo se transforme minimamente.

À primeira, a resposta não se vislumbra, como à segunda se torna complexa. Mas à terceira talvez a resposta seja mais simples do que inicialmente se pensaria, mesmo quando o resultado final sugere uma complexidade inatingível. E três talvez sejam mesmo o número de vezes necessárias para entender as representações da forte carga afectiva que assolam os 3 espíritos de Bristol (Beth Gibbons, Geoff Barrow, Adrian Utley). Como também serão necessários três dias para compreender a deslocação súbita do campo de cultivo aveludado do trip-hop para a aridez de uma pop obcecada pelo electro-rock. Confusos? Acredito!

Third é a súmula retórica de três vectores que ditaram o estranho regresso dos Portishead: a necessidade da mudança, nova força anímica e a perversão das coordenadas numa conjectura acomodada com o vácuo criativo. No fundo Third representa, como objecto, o elemento que faltava numa colheita pop-rock pobre e desiludida consigo mesma, como Ok Computer (dos Radiohead) representou a compilação ideológica de uma mentalidade – ou várias – em convulsão criativa. Ou seja: ambos representam a mudança na forma como se observa a música, mas em cenários opostos.

Não haverá praticamente nada neste novo disco dos Portishead que nos lembre o soberbo Dummy. E enquanto muitos choram as diferenças, outros começam a aceitar a mudança como parte da necessidade da evolução estética. Depois das contrariedades da vida e as consequentes indefinições sonoras, os Portishead encontraram a linha condutora para uma nova, bizarra, fantasmagórica e rude forma de exposição sonora. As linhas mestras do hip-hop evaporaram-se na terra para cristalizarem deturpadas e desconfiguradas na estratosfera. Os ingredientes dopantes do dub metamorfosearam-se no rock lânguido e áspero dos Can. O sofrido acrílico melódico pastoreou-se com um arado para a liça de um torneio electrónico kraftwerkiano. Tudo diferente… muito diferente... menos a voz melancólica, cristalina e brilhante de Beth Gibbons que, e por acto de desenvolta coragem, consegue o que poucos poderiam conseguir ou almejar: tornar belo e memorável a bizarria de um tema chamado "Machine Gun". Irrepreensível e essencial.


Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com
28/04/2008