Quando os Pixies se decidiram a enterrar todos os rancores e diferendos, com vista a uma reunião, que se traduziu em digressões rentáveis mas que fracassou na materialização de um quinto álbum, não deixaram de surgir também os vários lançamentos retrospectivos prontos a contar a história da banda de Boston a quem usava ainda fraldas quando Surfer Rosa presenteara ao mundo os seus seios hispânicos no ano de 1988. Entre esses registos, existe um generoso DVD que serve como complemento para a algo insÃpida compilação Wave of Mutilation: The Best of the Pixies. Importa por agora, numa altura em que se tentam descortinar que motivações terão levado a Mountain Battles, voltar a uma sequência incluÃda num “Diário de Estrada†(parte do supramencionado DVD) onde era possÃvel encontrar Kim Deal, a baixista dos Pixies e criativa central das Breeders, entregue aos dilemas de uma bancada cheia de pequenos souvenirs, algures numa estrada poeirenta onde tatus mortos ficam a apodrecer de pernas para o ar.
Era nesse vÃdeo perceptÃvel na expressão de Kim Deal aquele tipo de entusiasmo e euforia momentânea que se apodera de quem descobriu “o seu tesouro†entre as várias bugigangas de uma bancada sem muito de realmente útil para oferecer. À sua maneira, Mountain Battles é um cofre de todos os “tesouros†que possa Kim Deal (e, até certo ponto, a irmã Kelley Deal) ter aglomerado à s diversas divagações musicais dos últimos tempos. É um disco absolutamente descomprometido em relação a tudo (sobretudo a expectativas) – ao ponto de tornar inevitável a suspeita de que teria de ser obrigatoriamente a 4AD a apadrinhá-lo, fosse pela lealdade que o selo britânico mantém com os seus valores internos ou pela despreocupação face a últimas tendências.
De modo semelhante, Mountain Battles é igualmente avesso a todas as tendências que não sejam do inteiro agrado das irmãs Deal, que, mesmo assim, sujeitam as suas canções a todo o tipo de altos e baixos num carrossel que, ao longo da montanha, não teme ir por picos anÃmicos de rock traquina para, logo de seguida, recuar até mais comedidas paragens onde feminilidade e lo-fi cantam a tonalidade púrpura da mais açucarada das noites (“Night of Joy†tem aquele encanto das despedidas). Pára e arranca, silencia e explode. A dinâmica de contrastes - a mais valiosa herança dos Pixies - não fez escola em vão.
Sabe-se também que, apesar de ter oferecido os dedos a algumas das mais memoráveis e primárias linhas de baixo dos últimos 25 anos, Kim Deal sofreu demasiados anos à sombra de um Pai Tirano (aliás Frank Black) mais interessado em canções sobre sacrifÃcios corporais ou vida extraterrestre do que em pequenas delicias - mais lollipop - inspiradas por namoros exaltados ou livros infantis perdidos (como era “Bam Thwokâ€, o inesperado cartão-de-visita de uns Pixies regressados). Enquanto disco reclamante do direito a uma terceira juventude, Mountain Battles estima com equivalente calor os seus diversos caprichos e atrevimentos exóticos (nunca insólitos, atenção) – tanto que é difÃcil perceber se por aqui andará um conjunto de lados-a com alma desportiva de lado-b ou um agrupamento de lados-b com ambição própria dos lados-a. Talvez seja um hÃbrido que se esqueceu de traçar todas essas distinções formais. Apesar de tudo, não deixa de ser adorável encontrar as manas Deal indecisas entre a ruborescida canção romântica mexicana (adoração exposta em “Relagame Esta Nocheâ€) e mais umas quantas versões livres de “Sleepwalkin’â€(o muito nostálgico e imediatamente reconhecÃvel tema instrumental de Santo & Johnny). A idiossincrasia fez com que a montanha voltasse a parir um rato. Felizmente, um rato tão simpático e sincero quanto o Topo Gigio. Vale desta vez a pena recuperar até aos dias de hoje o saudosismo de outros tempos.