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Bob Mould District Line

2008
Beggars Banquet / Popstock!


Em território europeu, pelo menos, Bob Mould nunca deixou de ser incompreendido e subestimado candidato na corrida nunca totalmente assumida pelo título de escritor de canções com a maior capacidade de proporcionar carregada dose de “pica†ao amanhecer de um jovem típico com a idade situada entre os 13 e os 17 anos. Fosse necessário resumir a um só argumento a explicação para o lugar cimeiro que Bob Mould ocupa nesse “campeonato oculto†e a escolha seria automática – ou seja, inevitavelmente apontada à pesada co-autoria assumida numa “New Day Risingâ€, que definiu a ressurreição do autêntico underground norte-americano no disco homónimo dos Hüsker Dü, orquestrando uma ofuscante aurora de ruído branco sobrecarregada pela urgência de uma bateria primária e do mesmo título gritado a pulmões plenos durante vezes repetidas. Nem que fosse por isso, ou pela perseverança de um percurso com quase três décadas, Bob Mould mereceria à partida que fosse dedicada alguma atenção à sua última criação District Line, que, logo de inicio, foi anunciado como disco com sangue na guelra e regresso à boa forma (após algumas aventuras mais electrónicas e uma paixão intensa por vocoders).

Incontestavelmente, District Line é disco que, do sangue que sobra a alguém perto de concluir cinquenta anos de idade, faz um poço de experiência que bombeia glóbulos - avermelhados pela maturidade da escrita de canções - em todos os sentidos possíveis que sirvam ao sumário do universo Bob Mould. Não será por acaso que o artwork que acompanha Distric Line ilustra o álbum como se fosse uma linha de metro (ou circuito semelhante). Contudo, as suas diversas paragens acusam uma qualidade demasiado flutuante. Logo ao abrir, “Stupid Now†colhe excelente rendimento à bateria e produção “sem espinhas†de Brendan Canty (que milita nos adormecidos Fugazi), tornando-se numa pequena granada de college rock à qual a frustração arrancou a cavilha. “Walls in Timeâ€, por sua vez, pode até comportar a grandeza de um “adeus às armasâ€, mas não acrescenta praticamente nada em termos de canções centradas na guitarra acústica que se salientara no passado em discos como o seminal Workbook.

Fica-se também a saber que a lapidação do núcleo emocional dos Promise Ring ou Braid pode também ter tido como inspiração o balanço power-pop característico de Bob Mould, ou que a voz de Justin Broadrick carregada de efeitos, tal como a conhecemos aos monumentais discos de Jesu, não distará tanto quanto isso da que se escuta agora ao ex-membro dos Hüsker Dü.

A utilidade de District Line não se fica por aí. Existe também aquele momento nas comédias românticas em que os protagonistas masculino e feminino se decidem por caminhos diferentes, abrindo espaço a uma daquelas sequências em que a loira (estilizada à imagem da típica girl next door) tem de se afeiçoar à nova realidade solitária com momentos perdidos na lavandaria, viagens aborrecidas no autocarro ou encontros indesejáveis com ex-colegas de liceu no supermercado. Ou muito nos engana esta divisão atlântica, ou a produção actual de Bob Mould corresponde quase exactamente ao que se espera de uma banda-sonora para rotinas norte-americanas carentes de um aspecto alternativo adulto. District Line funciona muito bem a partir do momento em que se aceita essa sua tendência.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
31/03/2008