Esgotam-se as palavras quando toca a prestar uma admiração sem fim pela capacidade dos Excepter enquanto boneco vudu que parece suportar, através do corpo, todo o tipo de estacas pontiagudas que, em pouco tempo, sabotariam a credibilidade e pertinência de um qualquer colectivo comum. Beneficiando do estatuto de seita à parte, os Excepter não só dispõem de carta verde para urinar sobre todo o tipo de convenções que entenderem como alvo, como também do direito a fazê-lo com uma arrogância e despo(r)tismo que agravaria o karma negativo de outras matilhas que o arriscassem.
A mão que, com um polegar erguido, consente servir toda a dimensão do consciente à infiltração dos Excepter é a mesma que aplaude o inchaço que vai acumulando a ameba de Brooklyn à medida que esta absorve todo o tipo de vícios pestilentos, casualidades permitidas por uma vigilância leviana do conteúdo repetido e uma radioactividade que muito provavelmente violará alguns dos limites impostos pelo Tratado de Quioto. Até certo ponto, o suposto ócio que alimenta as anedotas sobre o povo alentejano é o mesmo que fortifica a lenda dos Excepter. E é inútil tentar demover o guru John Fell Ryan de levar a cabo tal vocação, porque a fezada do homem é tão inabalável como a sua persistência em trajar o mesmo conjunto de chapéu e óculos-escuros que usaria Jacques Tati em férias no Havai.
Enquanto dogma que promove a sua própria mutilação, a identidade dos Excepter é também altamente questionável e avessa a compromissos - o que pode bem significar a total inutilidade da introdução transversal do primeiro parágrafo quando Debt Dept. passar a ser ponto bem assente. Por enquanto, o longa-duração número quatro responsabiliza seis indivíduos pela sua concepção (núcleo duro – John Fell Ryan e Dan Hougland - e restante agregado familiar), além de sugerir como base um conceito representado num esquema de pirâmide cuja descodificação envolveria o domínio de aspectos da física quântica, a leitura de palíndromos vários e, eventualmente, o estudo de políticas associadas aos novos alternate reality games (sumário provável da discografia dos Excepter). Faz isso com que o decifrar do “enigma maior” não seja abrangido por uma achega que não visa procurar sono em ninguém.
Posto isto, o complexo esquema publicitário que serve de suporte a Debt Dept. pode até constituir contraponto para a música escutada àquele que será asseguradamente um dos mais directos discos a cargo dos Excepter (tal como já era Load Blown dos Black Dice na mesma casa Paw Tracks). Por “directo”, entenda-se tudo o que, no seu interior, estimula a proliferação de sintetizadores activados como alarmes em circuito fechado e outros loops capazes de provocar nos ouvidos assaduras de primeiro grau que reclamam a aplicação de Halibut (esse que abunda na compilação de peças mais balsâmicas, Streams). Seguindo a via de “rave” para apetites psicóticos, Debt Dept. denúncia uma aproximação à filosofia do deixa a tenda arder, a uma tendência suicida para mergulhar de cabeça numa má trip que mais dista da sobriedade quando patina entre o kitsch-raso e um indescritível plano metafísico (imagem de marca dos autores de KA sublinhada pela referência a “Higher Ground” de Stevie Wonder – na versão dos Red Hot Chili Peppers?! – presente em “Sunrise”). Muitas vezes, deixa-se possuir por um demónio tão ofegante e sexy como o acasalamento entre panteras registado num National Geographic com bolinha vermelha no canta superior direito.
Quanto à faixa bónus “Burgers”, saliente-se que é uma sorte imensa vê-la incluída na edição em CD de Debt Dept., porque, sem isso, nunca me viria aperceber quais são as rotações certas para manter durante a leitura do 12 polegadas que a comporta ao lado de “The Punjab”. O êxtase e gospel, que se escuta ao coro imperativo Flip Those Burgers, actua de modo inverso e aquele cilindrar de um sintetizador manifestamente gorduroso muito rapidamente poderia traumatizar a sua vítima e comprometer as aspirações de quem vai fritando batatas na esperança de um dia chegar a gerente.
A falta de ortodoxia dos Excepter passa também por se estarem completamente nas tintas para com o limite que os separa do ridículo, tanto que, em Debt Dept., existem samples e grooves tão grotescos e primitivos que, para irem a jogo como armas de grande porte, padecem de um pacto prévio. Esse pacto nunca chega a ser totalmente completo e registado em papel timbrado, tal como nunca chega a ser definitiva a solução para o dilema que se instala ao conviver de perto com a peculiar agricultura dos Excepter, sem nunca se saber ao certo se essa favorece o apodrecimento ou a fertilização do que cultiva. A dívida para com os Excepter deve ser sempre incondicional. Em caso de ressaca, pode alguém tentar revelar arrependimento e dizer:Porra! Devia ter tomado o comprimido azul!.... E isso só dificulta a abstenção face a um Dept Dept. que é vermelho por toda a parte.