Há editoras que são capazes de granjear uma reputação e, consequentemente, um culto que chega a ser equiparável ou mesmo superior ao da maioria dos artistas que delas fazem parte. Exemplo cabal desta realidade é a Eighteenth Street Lounge, feita nascer por Eric Hilton e Rob Garza, mais conhecidos como Thievery Corporation.
Não há muito por onde nos enganarmos: os artistas da ESL têm como denominador comum o exotismo intrínseco a sonoridades como jazz, bossa nova e afro-beat, na sua interpretação mais leve, moderna e sofisticada. Ainda está para chegar o nome que quebrará esta regra, e pelo caminho que a coisa leva, não acontecerá tão cedo.
Não sou adepto fervoroso de grande parte do material com que a ESL nos tem brindado. Então desde o momento em que “The Richest Man On Babylon” saíu à rua, ficou claro como água que a estagnação é a nota dominante. Não é para menos... lugar ingrato, o dos Thievery Corporation. Criadores de uma fórmula e intérpretes da mesma como ninguém, Hilton e Garza viram chegar o dia em que, das duas uma, ou continuam a desenvolver (?!) a sua receita e a saciar os ávidos e numerosos apreciadores, ou arriscam algo novo e diferente. Sabendo à partida que qualquer destas filosofias terá custos e proveitos. No seu direito, escolheram a primeira opção, e não se terão saído mal. Embora eu duvide que seja o único que já está saturado, e não pensa beber mais dali.
Outro aspecto diz respeito à colagem ao som dos Thievery Corporation, usada vezes sem conta noutros sítios por outras gentes, mas também dentro da sua própria editora. Mais do que falta de originalidade, acaba por ser um preço a pagar e um reflexo do mérito dos pais do género. Sim, é de um género que se trata.
Bem, estão reunidas todas as condições para eu não gostar de Delights Of The Garden. Surpresa das surpresas, eu gosto! E não me lembro que, em 2002, a ESL tenha editado algo melhor que este disco.
Além de encarnar a essência descrita algures no ínicio, Desmond Williams é mais que isso. Embora se trate de um album de estreia, o homem dedica-se a estas lides há mais de um década, estudando e produzindo, e tanta bagagem acaba por resultar num disco sólido e estanque, com muito mais momentos altos que, por exemplo, o lançamento mais recente dos “patrões” Thievery Corporation.
Williams é capaz de desdobrar-se por diversos caminhos, sem nunca perder a noção da direcção e o equilíbrio geral. O cuidado empegue na produção é enorme, sendo o resultado, neste capítulo, imaculado.
Relativamente ao conteúdo propriamente dito, não é surpresa nenhuma a partir do momento em que tem o carimbo ESL. Diga-se de passagem que há muito menos reggae do que aquilo que a capa pode indiciar... Mais concretamente, Delights Of The Garden é um cardápio de bossa nova, afro-beat e funky grooves, tudo no sítio certo, soando bem e muito arrumadinho, fruto da já referida excelência de Desmond Williams na produção. E já que falamos das virtudes do senhor, há que dizer que toca quase todos os instrumentos que podemos ouvir do princípio ao fim do disco.
Perante a solidez de Delights Of The Garden, não será fácil dizer quais as músicas mais fortes. Contudo, considero que “Um Favor” e “Theme From a Dream” (singles anteriores ao disco) e “Brooklyn Blues” são um bom cartão de visita para o resto do álbum. Sem dúvida, um belo disco que consegue escapar às perigosas e tantas vezes enganadoras teias do “dubby downtempo” de Hilton e Garza.