Enquanto o mundo se ressente da crise económica global, a cotação da música angolana continua a subir indiferente a tudo o resto. Arrastado também por esse ascendente, Damani Van Dunem é MC de pátria angolana que, pelo que dá a conhecer o seu disco de estreia Mutatis Mutandis, mantém habilidade e sofisticação suficientes para transcender o prazo que condena ao esquecimento precoce os fenómenos de natureza meteórica. Afinal, Damani conheceu já a oportunidade de viver em Cuba, Rússia, Moçambique, encontrando-se actualmente sedeado em Portugal, mais precisamente em Odivelas (que é zona fervente em termos de hip-hop) – percebe a dimensão global do hip-hop e anda nisto desde os anos 90 (conforme sublinha numa rima).
Mudando apenas o que deve ser mudado, Mutatis Mutandis Ă© eficiente retrato de alguĂ©m fiel Ă s raĂzes, indisposto a envolver-se em rivalidades que nĂŁo existem e aparentemente franco nos reparos cortantes dirigidos a questões mais especificas (o tráfico exposto em “Diamantes de Sangue”) e outras mais saturadas (um continente Africano que nĂŁo se endireita conforme denunciado em “Roots”). Esse alguĂ©m que nĂŁo Ă© gangsta nem playboy, acaba por ser generoso nas portas que abre a produtores vários e a MCs convidados – agentes de uma heterogeneidade que beneficia um triunvirato de hip-hop que abomina a ideia de provocar bocejos. Mutatis Mutandis peca sĂł mesmo por se exceder alĂ©m do que permite o seu fĂ´lego – a partir da dĂ©cima faixa “Mic Checka” parece adoptar um piloto automático que armazena corpulĂŞncia e nem tanto algo de propriamente relevante.
Faça-se, porĂ©m, jus Ă estrondosa sĂ©rie que, desde o reconhecĂvel single “PapĂŁo (Eu Sou)” a “16 and 1”, dispara certeiramente quatro tiros de topo e deixa fumegante a arma na mĂŁo de Damani. Na mesa de poker que Ă© o actual hip-hop tuga, as passagens mencionadas servem como uma boa mĂŁo para ir a jogo, ou nĂŁo incluĂsse os seguintes trunfos: samples centrais inquestionavelmente bem elaborados na sua vĂ©nia a uma recomendável “velha escola”, a atitude decidida que demonstra “What!” na sua intenção de ser hino de festa de bairro ao rubro, o nome da “bomba” Soraia Chaves e de estrelas da NBA atirados ao ar na fulminante “PapĂŁo (Eu Sou)”, o inesperado Joker que Ă© o MC Verbal no pomposo ponto alto”16 and 1”. Infelizmente, e assim que se sente a quebra aos seus Ăndices mais inspirados, o debute lança-se em queda livre, deixando mesmo transparecer a amarga sensação de que a sua segunda metade Ă© uma rĂ©plica menor da primeira (apesar de diferenças como a novidade sentimental do tema mais r & b “NĂŁo vai dar (mais)”). Acaba Mutatis Mutandis por ser um passo maior que a perna, mas um muito promissor passo, ainda assim.