Mais tarde ou mais cedo teria de acontecer, e 2007 foi o ano perfeito. Por alturas de recordar o 20º aniversário da morte de Zeca Afonso, Cristina Branco escolheu a dedo as canções do cantautor e reuniu-as em disco. Pôs por momentos de parte o fado (ou quase-fado ou como lhe queiram chamar – chamem-lhe canção universal se quiserem) e abriu um pouco os braços ao jazz – e a outros territórios necessários para abraçar a obra de Zeca Afonso. Com sucesso, diga-se. Manteve por perto Ricardo Dias, uma figura cada vez mais incontornável na carreira da cantora – e chamou Alexandre Frazão para a bateria, Bernardo Moreira para o contrabaixo, e Mário Delgado nas guitarras. Posto isto, não há dúvidas que Cristina Branco soube rodear-se das pessoas certas.
As canções de Zeca Afonso em pele feminina resultam extraordinariamente bem. Cristina Branco nĂŁo ousou mudar a cara Ă s canções do cantautor mas injectou-lhe a sua sensibilidade prĂłpria. E o respeito de Cristina Branco pelo legado de JosĂ© Afonso está por todo o lado. Dificilmente alguĂ©m conseguiria entrar em “Menino d’oiro” e dela sair com resultados tĂŁo belos – chega a ser enternecedor. A voz de Cristina Branco nasceu para desafios destes – nobres, difĂceis. E porque este Ă© um disco onde Cristina Branco permite o destaque aos seus mĂşsicos, Alexandre FrazĂŁo faz um brilharete na fantástica “A morte saiu Ă rua” e Mário Delgado prova na bluesy “Senhor Arcanjo” porque Ă© que Ă© um dos melhores guitarristas em Portugal.
“Maio Maduro Maio”, como nĂŁo poderia deixar de ser, foi revista sob a condição de manter toda aquela beleza conseguida pelo criador. “Era um redondo vocábulo”, em nova versĂŁo depois daquela registada em Ulisses Ă© um upgrade tendo em conta o tipo de banda com que Cristina Branco conta neste disco e um verdadeiro highlight em qualquer momento e em qualquer lado. Por ser um dos melhores textos algumas vez escritos em portuguĂŞs e porque Cristina Branco sabe captar-lhe sempre a essĂŞncia e a beleza. Este Ă© aliás o maior trunfo que este disco exibe. É que Cristina Branco consegue resgatar a verdadeira beleza das canções de Zeca Afonso sem demasiados artefactos e malabarismos. Abril, nos seis 16 capĂtulos, Ă© sem dĂşvida uma das maiores homenagens alguma vez prestadas a Zeca Afonso; algo verdadeiramente merecido e sentido.