Curioso constatar hoje como as tácticas de Marcel Duchamp e os dadaÃstas, seriam utilizadas em tão larga escala como meios para atingir um certo primitivismo. Se esta ligação não deixa de ser previsÃvel, não deixa de ser surpreendente que essa busca por uma certa noção de pureza, de instinto se revista de contornos tão claramente auto-conscientes, e acima de tudo extremamente conhecedores. Ou seja, quer-se mais uma destruição desses mesmos conhecimentos e consequentemente conceitos, de modo a recolher os destroços (obra final), mas estando a tudo isto inerente a ideia de que a verdadeira obra esteve no acto de (des)construção (peço desculpa pelo termo) em si. Nada disto seria particularmente relevante, quando se tem de encarar um álbum como The Black Pool dos Lambsbread, uma vez que aquilo a que me referi como primitivismo pressupõe esse tal abandono de conceitos e conhecimentos, uma abordagem completamente despojada de carga intelectual e entregue à experiência meramente sensorial, no entanto todos sabemos que a carga cultural que carregamos está intrinsecamente ligada à apreciação que fazemos de uma obra, pelo que advém uma necessidade de relacionar a "novidade" (desconhecido) com aquilo que já anteriormente conhecÃamos.
Esboçando uma linha onde coabitem (apesar de todas as diferenças entre eles) os Sightings, Magik Markers ou mesmo CAVEIRA, existe um ponto em que todos parecem dever algo aos Dead C (ou numa outra perspectiva os Skullflower), é certo que estes também devem algo a alguém, mas não vou entrar em citações históricas. Remetendo-me à forma como os Dead C, apenas tangencialmente abraçando o conceito canção e abraçando largamente o improviso, recontextualizaram o conceito de rock até a um desapegamento de formas com algumas semelhanças com o momento em que prefixo free se juntou a jazz, free rock talvez (um pouco antes, já no Japão se estilhaçava o rock até planos semelhantes). Atirando-se a este rock com um frenesim pouco dado a subtilezas, as 5 faixas (e uma intro de 4 segundos) de The Black Pool conseguem habilmente convergir destroços dos blues e do heavy metal entrelaçando-os como se sempre pertencessem um ao outro (e afinal de contas é tudo rock) e devorando-os num som de dentes cerrados que se contorce durante cerca de meia-hora.
No entanto, e comparativamente a outros álbuns do trio de Ohio, como Smelly Harbor, The Black Pool é relativamente manso, são frequentes momentos mais implosivos e um ligeiro abrandamento do ritmo que permite que os temas respirem e usufruam mais de dinâmicas, por oposição ao ruÃdo em bruto de tendências espasmódicas que caracterizava Rodney King Was On PCP That Night. Não deixando, com isto, de abdicar do uso do ruÃdo e do alto volume como armas, este relativo abrandamento acaba por ser salutar, sendo notável a forma como na terceira faixa (não existem tÃtulos) se atiram lentamente de cabeça no mississipi, para se afogarem em distorção, ou que na faixa seguinte passem de um devaneio devedor do free jazz mais feroz ao stoner rock como se estes fossem o mesmo, saindo vencedores e persistindo um odor Lambsbread. Os últimos 8 minutos da última faixa são muito possivelmente, os melhores do álbum, adquirindo um ambiente algo psicadélico e hipnótico que até agora nunca tinha associado muito à banda, mas claramente coadjuvante com o turbilhão devastador que caracteriza Lambsbread.