O desequilíbrio, quando provocado pelo tapete que foge mesmo por debaixo dos pés, chega a infligir o atordoamento certo para que alguém, antes de recuperar a consciência, afirme incondicionalmente:Não há maior génio do que aquele que me deixou neste estado. É esse o pensamento que intercepta o raciocínio do pugilista derrotado antes de aterrar no ringue por K.O. técnico e será essa a sensação a abater-se sobre quem vigiava atentamente a produtividade de Richard Swift, mesmo que desprevenido face à ínfima probabilidade do brilhante songwriter ter reservado no mais obscuro recanto da manga um disco de electrónica futurista, mas, mesmo assim, dispersamente anacrónico, dado à montagem de cenários abundantes em smog, porém incerto na localização dos mesmos.
São essas algumas das revelações reservadas por Music From the Films of R/Swift, uma espécie de OVNI que se decidiu por ser álbum atribuindo responsabilidades ao projecto Instruments of Science & Technology, que, afinal, é apenas um disfarce assumido por Richard Swift quando desviado da canção. Ou seja, o senhor de Dressed Up for the Letdown, através da reedição de um disco algo esquecido (havia sido lançado em 2005 pela Otaku), liberta-se do passado a que se associam as suas canções de anti-herói romântico apontando, desta feita, a trajectória da sua ciência musical em direcção ao eternamente adiado futuro que ainda não se sabe ao certo quando irá acontecer. Por aqui, todavia, vai acontecendo.
Até certo ponto e apesar de todo o mistério que o envolve, Music From the Films of R/Swift revela aquilo que indicia o seu próprio título: uma espécie de visita guiada pelas micro-bandas-sonoras que ecoam no piso sete-e-meio da divisão cerebral reservada aos aparelhos estranhos e fetiches tecnológicos de Richard Swift, cujas iniciais nunca foram tão confundíveis com as de Raymond Scott (alienado aventureiro musical ao qual se sente por aqui a presença espiritual). As associações algo bizarras não se ficam por aí, quando se percebe que este é asseguradamente o mais Ziggy Stardust dos discos atribuídos a Richard Swift (ou a um dos seus desdobramentos) – nem tanto pela sua componente glam, que surge sufocada pela claustrofobia imposta pela sua produção (repare-se no aspecto rarefeito de “Shoulders”), mas certamente pelos ocasionais rasgos de escapismo que conduzem a indeterminada parte espacial, seja pelo uso de vocoders muito Daft Punk em “INST” (tema do genérico de uma série que nunca existiu a não ser no subconsciente de Swift) ou na desintegração narcótica de um curto trecho de precursão verificada numa “Theme 5” a relembrar as melhores qualidades dos De Facto (ramal dub dos At the Drive-in).
Não é novidade de agora aquela que garante Richard Swift como criador capaz de compor música aplicável a filmes com a mesma astúcia e magnetismo que caracteriza a sua pop cheia de (des)graça: “Walking Without Effort Theme”, incluída no primeiro dos dois álbuns que revelaram o norte-americano ao mundo, já se destacava por expressar convincentemente as sensações de sonambulismo e ingenuidade, ao ponto de quase ser possível visualizá-las a um disco. O factor surpresa que torna mais apelativo e curioso o conteúdo de Music From the Films of R/Swift assenta no eclipse que, num estalar de dedos, torna nocturno e enevoado tudo aquilo que julgávamos imaculado e lúcido no alcance de Richard Swift. O seu apelo de rendição à noite acaba por ser um pouco semelhante – no meio usado e estética escolhida – ao que sugeriam em tempos os também imprevisíveis Trans Am. Dedique-se então uma vénia a quem se reinventou a si mesmo, antes de uma qualquer label (gigantesca ou não) o inventar como um novo Bob Dylan ou associando-lhe um estatuto igualmente rentável.