Bola, aka Darrell Fitton e abreviatura/trocadilho do estranho “bowl of yew tea”, Ă© um nome tĂŁo importante no contexto da electrĂłnica dos anos 90 como os conterrâneos Aphex Twin, Autechre ou u-Ziq, aproximando-se esteticamente deste Ăşltimo. Bola Ă©, efectivamente, um projecto muito mais prĂłximo da reflexĂŁo e contemplação do que do barroquismo de bleeps que povoam os sons da IDM. Mais do que u-Ziq, Darrell Fitton Ă© um puzzle de peças vindas maioritariamente da mĂşsica ambiental quase new age. Por sinal, fez lembrar ao meu pai os tempos áureos de Jean Michel Jarre, sendo que, no entanto, existe notoriamente uma adaptação aos anos 90 e o desaparecimento de qualquer vestĂgio dos Ă©picos quase naif de Jarre, Vangelis ou Tangerine Dream. Em “Fyuti” os sons sĂŁo marcadamente nocturnos e obscuros, construindo atmosferas frequentemente inquientantes, e escurecendo Ă medida que os temas vĂŁo passando. No entanto, este “nocturno” deriva talvez do sentimento de viagem que se apodera de nĂłs logo no inĂcio, com “Vertiphon”. O baixo ecoa no nosso cĂ©rebro, levitando-o com a ajuda dos muito etĂ©reos sintetizadores, que percorrem todo o álbum. “Fyuti” contĂ©m momentos de pura claustrofobia e outros extremamente “hauting” , mas em todos eles sentimos os samples a ecoarem, cortantes, por entre a “spaciousness” que Ă© o sentimento predominante no álbum.
Não se pode chamar a “Fyuti” um álbum pessoal, e muito menos imediato. Demora a absorver a proposta de Darrell Fitton, muito provavelmente devido a um sabor amargo que, de música para música, filtra a nossa percepção dos sons. É essa despersonalização que se encontra, exemplificando, em “Pae Paoe” ou “Horizophon”, onde os beats complexos, de tão cliche, dando previsivelmente lugar quer a sintetizadores quer a uma melodia de piano minimal, são já parte de qualquer compêndio de música “inteligente”.
Desta fĂłrmula mais ou menos prĂ©-concebida emerge um som construĂdo por wobbles and bleeps, por sintetizadores que fazem lembrar, por vezes, os “Ambient Works” de Richard D. James, por melodias simples e interessantes – de tĂŁo tensas e ambĂguas -, enfim, um ponto de partida comum Ă esmagadora maioria das propostas desta corrente estĂ©tica. O desafio está em criar, a partir de um leque sonoro relativamente curto (e simultaneamente infinito – a mĂşsica electrĂłnica) um conjunto de mĂşsicas coerente, e que fuja aos pressupostos da IDM, que começam progressivamente a cansar – os samples curtos, a dissonância, a agressividade, a nĂŁo-linearidade; desafio esse que “Fyuti” consegue ultrapassar frequentemente – há excepções. No entanto, quando se ouve “Magnasushi”, por exemplo (e a melodia faz tanto lembrar “Autumn Leaves”), nĂŁo se pode deixar de sentir o poder imenso dos laptops, e o grau de refinamento e sofisticação a que chegaram os laptop musicians.
Falta agora o desafio Ăşltimo. Ă€ electrĂłnica a que chamam de cerebral e inteligente, falta ainda o territĂłrio da profundidade melĂłdica, da verdadeira fusĂŁo com o passado orgânico. E nota-se em Fitton uma tentativa de tentar aliar a identidade noir e a abstracção inerente Ă s suas composições a uma certa sensibilidade Jazz (se Ă© que se pode chamar assim a alguns excertos de “Fyuti” mais interessantes do ponto de vista melĂłdico e rĂtmico). É nĂtida, pelo menos, o transporte de uma mensagem, esculpida habilidosamente nas melodias de “Veronex Chyper”, principalmente. A mensagem Ă© um “overflow” de ideias em suspensĂŁo, ideias para a construção da estĂ©tica do novo milĂ©nio, assente num cepticismo que transcende a mĂşsica para influenciar o ouvinte.